Stuttgart, 1770, aos 12 de agosto, nasce Georg Wilhelm Friedrich Hegel. O pai de Hegel trabalhava como secretário ducal da câmara financeira, tornando-se, em seguida, chefe da chancelaria. A família era originária de Caríntia e transferiu-se para Wurttemberg, um século antes, por causa da perseguição dos católicos contra os protestantes.
Em 1775 após os três anos do ensino elementar começa a frequentar a "escola latina".
Em 1777 em Stuttgart frequenta o "Ginásio Real" ou "Ginásio Ilustre" com aparência humanística-religiosa. Além disso, estuda com um coronel de artilharia, que lhe dá aulas particulares de matemática, astronomia entre outras.
Em 1784 a sua mãe morre em decorrência de uma epidemia de disenteria.
Entre 1785 e 1787 Hegel administra um tipo de jornal diário, em alemão e em língua latina, que permite aos estudiosos analisar o tipo de formação que ele tinha. Bom conhecimento do mundo clássico desde Homero a Sófocles, de Platão a Aristóteles, de Tito Lívio a Cícero, de Longino, de Longo e Epiteto. Ele estuda o velho e o novo testamento e lê Mendelssohn, Lessing, Goethe e Schiller.
A biografia nos mostra um Hegel muito diferente do imaginado de uma "esquerda" que salienta acerca dos aspectos que consentiram Marx elaborar a sua filosofia. Hegel treinado para ser teologicamente submisso, impõe a teologia da submissão, tanto para si mesmo como para o Estado do qual se torna a voz filosófica, que argumenta contra toda a liberdade dos seus cidadãos.
Em 1788 chega à maturidade e se inscreve junto à universidade de Tubinga para estudar teologia, sendo hóspede de "Stift" um ex mosteiro transformado num colégio teológico onde se formavam eclesiásticos protestantes e os ensinamentos do grão-ducado. Estuda exegese bíblica, história da filosofia, metafísica, teologia natural e teologia dogmática. Hegel é um pouco intolerante com a disciplina imposta pela ortodoxia luterana e comete uma série de infrações, como ausência às aulas, ausente às orações ou negligência no uniforme. Estas infrações chegarão ao auge do encarceramento aplicado, em consequência de uma permissão, por ter voltado atrasado.
Em 1790, no inverno, entre 1790 e 1791, divide o quarto do "Stift" com Holderlin e Schelling. Tornaram-se amigos e juntos celebravam o aniversário da Revolução Francesa erguendo árvores da liberdade. Trata-se de uma manifestação de infantilismo formal em que os rapazes cristãos, com a manipulação mental sofrida, buscam o seu nicho de evasão ideológica sem abandonar a ideologia da submissão, mas colhendo os aspectos formais e exteriores de possíveis distinções artificiosas. De fato, nem Hegel, nem Schelling e nem mesmo Holderling estudam as motivações que levaram à Revolução Francesa, mas somente a manifestação formal do triunfo: o triunfo de Jesus com argumentos diversos!
1790, no mês de novembro, Hegel termina o ciclo bienal de estudos, obtendo o título de "Magister philosophiae".
1793 Hegel termina o ciclo de estudos no "Stift". Supera o exame consistorial, com o qual podia iniciar a carreira eclesiástica.. Só que, em outubro do mesmo ano, Hegel não quer iniciar a carreira eclesiástica, deixa a cidade para ser preceptor de alguns conhecidos. Vai à Berna junto a Karl Friedrich von Steiger [foi primeiramente oficial no serviço holandês, depois chegaram os dragões à Berna. Em 1785 torna-se membro do Grão Conselho Bernês].
No ano de 1795, na propriedade da família von Steiger, Hegel escreve uma "Vida de Jesus" seguindo as pesquisas iluministas feitas entre 1793 e 1794.
O primeiro livro escrito por Hegel é um livro escrito sobre Jesus. Este livro representa o ponto de partida de toda uma especulação filosófica de Hegel.
Em 1796 Hegel escreve o seu segundo livro, "A positividade da religião cristã" com as pegadas de Kant onde se lê "A religião dentro dos limites da simples da razão"
Enquanto isso Hegel é tomado por numerosas crises depressivas, ele se sente isolado e um pouco desesperado. É Holderlin que, para ajudá-lo, arruma-lhe um trabalho como preceptor da J.N. Gogel, um comerciante de Frankfurt
Em 1797 Hegel se transfere à Frankfurt sobre o rio Meno. Começa a frequentar o grupo de amizades de Holderlin e se interessa pelo tema religioso do amor e da reconciliação.
Em 1798 escreve um comentário à "Metafísica dos costumes" de Kant. Inicia a substituir o termo "povo" pelo termo "cidadãos" quando ele escreve "Sobre os mais recentes acontecimentos internos de Wurttemberg", e propõe a eleição direta do lado do "povo", posteriormente alterado para "cidadãos", os magistrados. Com Holderlin é obrigado a escapar em decorrência das relações amorosas que mantinha com Diotima-Susette, mulher de Gontard e mãe dos rapazes aos quais Hegel era o instrutor.
Em 1799 morre o pai de Hegel e Hegel herda um pouco de dinheiro. O pai morre em Stuttgart e Hegel permanecerá em Stuttgart por dois anos.
Em 1800 termina de escrever "O espírito do cristianismo e o seu destino" e conclui o texto "Fragmento de sistema" onde anuncia o fim das religiões e início da filosofia que substitui o sistema religioso.
No mesmo mês, em setembro, conclui a introdução à "A positividade da religião"
Em 1800 Hegel se transfere à Jena que, naqueles tempos, era um centro cultural extremamente ativo. Em Jena ensinou o amigo Schelling por dois anos. Jena é sede de filósofos críticos e berço do romantismo nascente. Em Jena estão Reinhold (1787-94) e Fichte (1794-98). Em Jena se entrelaçam os encontros entre os filósofos e parceiros como Novalis que chega para estar com Sophie von Kiihn que morreu de tísica, ou a relação entre Caroline Michaelis mulher de August Wilhelm Schlegel que se tornará a amante Schelling. Em Jena recebe diploma pelo ensino também Friedrich Schlegel, que com o irmão August Wilhelm, é considerado um dos fundadores do romantismo alemão. A sorte filosófica de Jena foi devida ao grão-duque Karl August que escolheu como "conselheiro secreto" Goethe que está cercado por homens como Schiller, Wieland e Herder.
Em 1801 Hegel chega à Jena e se instala na casa de Schelling. Em julho publica o livro "Diferenças entre o sistema filosófico de Fichte e o de Schelling". Em agosto consegue a habilitação para o ensino e ao exame, Karl Schelling irmão de Friedrich e Immanuel Niethammer com quem estreitará amizade. Inicia as lições em novembro, mas em outubro em Weimer encontra Goethe, para o interesse de F, Schelling. Com Goethe a amizade durará trinta anos, até a morte de ambos. Encontrará também Schiller.
Em 1802 Hegel com Schelling fundam um jornal de crítica filosófica "Jornal crítico da filosofia", pelo editor Cotta de Tubinga. O jornal será fechado no ano seguinte. Enquanto isso, Hegel acaba de escrever "A constituição da Alemanha". No escrito preconiza a queda do império alemão.
Em 1803 conclui o livro "Sistema de Ética" e até que haja a publicação de "Fenomenologia" trabalhará nos projetos "esboços de sistema" de lógica, metafísica, filosofia da natureza e a filosofia do espírito. Continua visitando Goethe que comentará a dificuldade de Hegel para articular discursos com uma linguagem desembaraçada. A linguagem de Hegel termina sempre penoso e cansativo.
Hegel estudou para entregar-se à carreira eclesiástica, e os vestígios desta falha na carreira, pela qual trabalhou por uma dezena de anos, nós os encontramos no pensamento de Hegel a respeito da natureza.
Hegel escreve na "Filosofia da Natureza":
'A Natureza resultou deste modo por ser a ideia na forma da alteridade [ Alteridade: Na linguagem da filosofia escolástica, o oposto da identidade, isto é que não é subjetividade, e portanto o mundo externo, a objetividade, o não-eu, em outras palavras é a objetividade contraposta à subjetividade]. Uma vez que, de tal modo a ideia é o negativo de si mesma ou externa de si, a natureza não é externa apenas relativamente ao que se refere a esta ideia (e ao que se refere à sua existência subjetiva, ou seja o espírito), mas a exterioridade constitui a determinação em que esta é como a natureza. Acresce. Se Deus é o autossuficiente, aquele que não tem necessidade de nada, como chegar a uma decisão de algo completamente diferente? A ideia divina consiste precisamente nisto, no decidir-se em colocar este outro fora de si e retomá-lo novamente em si, por ser subjetividade e espírito. A filosofia da natureza entra novamente nesta via de retorno; de fato, é a filosofia da natureza que supera a separação entre natureza e espírito e causa no espírito o conhecimento da sua essência na natureza. Esta em seguida é a posição da natureza no todo; a sua resolução consiste no fato de que a ideia determina a si mesma, isto é, coloca em si a distinção, um outro, mas de modo que ela na sua indivisibilidade é bondade infinita e participa e comunica ao outro ser a sua riqueza inteira. Deus permanece portanto igual a ele mesmo no seu determinar, cada um destes momentos é a ideia inteira e deve ser colocado como a totalidade divina. O distinto pode ser colhido em três formas diversas: a universal, a particular e a singular. Uma vez o distinto permanece conservado na eterna unidade da ideia; isto é o [...], o filho eterno de Deus como o compreendia Fílon. Ao que se refere a este extremo outra é a singularidade, a forma do espírito finito. Como retorno em si mesmo, a singularidade é certamente espírito, mas, como alteridade, como exclusão de todos os outros, é espírito finito ou humano; efetivamente outros espíritos finitos, diversos do homem, não nos concerne. Enquanto o homem singular é surpreendido no próprio tempo numa unidade com a essência divina, é o objeto da religião cristã e esta é a mais extraordinária reivindicação que lhe pode ser feita. A terceira forma, a que aqui nos diz respeito, é a ideia na particularidade, é a natureza que se encontra no meio dos dois extremos. Esta forma é a mais aceitável pelo intelecto: o espírito é colocado como a contradição existente por si mesma, uma vez que a ideia infinitamente livre e a ideia na forma da singularidade se encontram objetivamente na contradição; na natureza a contradição está apenas em si ou para nós, enquanto a alteridade apresenta-se como forma tranquila na ideia. Em Cristo a contradição é estabelecida e superada como vida, paixão e ressurreição; a natureza é o filho de Deus, mas não como o filho, ao contrário, como o permanecer na alteridade - a ideia divina como detida por um instante fora do amor. A natureza é o espírito separado de si, que nela somente se desafoga, um deus báquico que não se orienta nem se controla; na natureza a unidade do conceito se oculta. A consideração lógica da natureza deve observar a natureza em si mesma e é este o processo, no qual se torna espírito, supera a sua alteridade - e como em cada etapa da natureza em si mesma há a ideia; separada da ideia, a natureza é tão-somente o cadáver do intelecto. Mas a natureza em si é apenas a ideia, e por isso Schelling chamou-a de uma inteligência petrificada, e outros enfim a inteligência congelada; mas Deus não permanece petrificado e extinto, mas as pedras gritam e se erguem em espírito. Deus é subjetividade, atividade, diligência (Actuositat) infinita, em que o outro é apenas momentâneo e permanece em si na unidade da ideia, uma vez que é ele mesmo na totalidade desta ideia. Se a natureza é a ideia em forma de alteridade, a ideia, segundo o seu conceito, não é aqui como ela é em si e para si, porquanto embora todavia a natureza seja um dos modos em que a ideia se manifesta e deve, necessariamente, revelar-se. Que a ideia, deste modo, seja porém a natureza é o segundo ponto que está explicado e demonstrado; no final devemos estabelecer um confronto para ver essa definição corresponde à representação, no que resultará numa sequência. Além do que, a filosofia não deve se preocupar com a representação e nem mesmo está obrigada a fornecer em cada ponto de vista aquilo que a representação solicita; as representações, verdadeiramente, são arbitrárias, todavia no universal ambas devem ambas estar acordes. Nesta determinação fundamental da natureza é preciso observar-se a sua relação com o lado metafísico, que foi tratado na forma da eternidade do mundo. Poderia parecer que aqui nos seria possível deixar a metafísica à parte; contudo está aqui o ponto para preocupar-se e não há motivo para nutrir as perplexidades, já que esta não nos conduz às digressões e nos contentaremos imediatamente. Isto é, uma vez que a metafísica da natureza, como a precisão do pensamento essencial, a sua distinção corresponde ao fato de que a natureza é a ideia na sua alteridade, isto implica em que ela é essencialmente alguma coisa de ideal (ideeli), ou seja aquilo que tem a própria exatidão apenas como relativa, tão-só em relação ao seu primeiro termo. O problema da eternidade do mundo (com frequência o trocamos com a natureza, enquanto o mundo é um complexo espiritual e de tempo) tem, em primeiro lugar, o sentido da representação temporal, de uma eternidade, como é chamada, de um tempo infinitamente longo, pelo qual não houve algum início de tempo; em segundo lugar implica que a natureza venha representada como algo de não criado, um eterno, independente por si só diante de Deus. Ao que se refere ao segundo ponto, ele é removido e totalmente deixado de lado ao que tange à exatidão da natureza que é a de ser a ideia na sua alteridade. Ao que concerne ao primeiro ponto, depois de ser removido sentido do absoluto do mundo, há apenas a eternidade em relação à representação do tempo. A propósito sobre isto está dito: a) A eternidade não está antes ou depois do tempo, antes da criação do mundo, nem quando o mundo desaparece, mas é a presença absoluta, o agora sem um antes e depois. O mundo está criado, vem a ser criado agora e foi criado eternamente, isto acontece na forma da conservação do mundo. Criar é a atividade da ideia absoluta; a ideia da natureza é tanto quanto eterna do mesmo modo tal como ideia. Ao se perguntar se o mundo, a natureza na sua infinidade tem ou não um início no tempo, tem-se diante de si a representação do mundo ou da natureza em geral, isto é universal; e o verdadeiro universal é a ideia, da qual já foi dito que é eterna. Mas o finito é temporal, tem um antes e um depois; e se há o finito que temos em frente, estamos no tempo. O finito tem um início, mas não um início absoluto, o seu tempo começa com ele e o tempo é tão-só exclusivo do finito. A filosofia é um compreender intemporal, também a respeito do tempo e às coisas em geral, segundo à sua determinação eterna. Tendo-se, assim, removido o início absoluto do tempo, intervém a representação oposta, aquela de um tempo infinito; mas o tempo infinito, se ainda é representado como tempo, e não como tempo superado, ainda se distingue da eternidade. Ele não é este tempo, mas um outro tempo, e novamente um outro, e um outro ainda, o pensamento não consegue resolver o finito no eterno. Analogamente, a matéria é divisível ao infinito; isto é a sua natureza, como algo colocado completamente externo a si mesmo, seria como um múltiplo em si mesmo. Mas, a matéria efetivamente não qualquer coisa fracionada, que consistiria de átomos, antes esta é uma possibilidade, que tão-somente possibilidade; isto é, esse dividir em partes ao infinito não é algo de positivo, efetivamente real, mas apenas um modo subjetivo de representar. Igualmente o tempo infinito tão-só uma representação, um encaminhar-se além do que permanecer no negativo; um representar necessário, até quando se permanece na consideração do finito como finito. Mas se passo para o universal, ao não finito, abandonei o ponto de vista no qual tem lugar a singularidade e sua variação. Na representação, o mundo é apenas um complexo de coisas finitas; mas se é entendido como universalidade, como totalidade, então sofre a queda da questão do início. Onde estabelecer o início é pois indeterminado, deve-se estabelecer um início , mas é um início apenas relativo. Se vai além, mas não para alcançar o infinito, mas só em direção a um ulterior início que, certamente, é inclusive ele apenas um início condicionado; em breve ele se manifesta somente a natureza do relativo, uma vez que estamos no finito. Esta é a metafísica vai avante e para trás entre as determinações abstratas que toma-as por absolutas. Não se pode dar uma resposta nítida, positiva à questão se o mundo está privado do início no tempo, ou se o tem. Uma resposta nítida significaria que uma ou a outra coisa é verdadeira. A reposta clara é, ao invés, o modo de interrogar, o pôr uma alternativa em termos de ou-ou, não vale. Se vocês se encontram no finito, então você têm tanto o início quanto o não-início, estas determinações contrapostas competem ao finito no seu contraste isento de solução e de conciliação: e assim ele desaparece já que é a contradição. O finito tem um outro antes dele; no processo do nexo finito deve-se buscar isto primeiramente, por ex. na história da terra ou dos homens. E aqui não se alcança jamais a nenhum fim (Ende), exatamente com relação a algum finito (Endiiches) se chega a um fim (Ende); o tempo exerce o seu domínio na multiplicidade do finito. O finito tem um início, mas esse início não é o primeiro final; o finito é independente, mas esta tempestividade é por sua vez limitada. Se a representação abandona este finito determinado que tem um antes e um depois e passa para a representação vazia do tempo ou do mundo em geral, vaga em frívolas representações, isto é em noções puramente abstratas. Nesta exterioridade as determinações conceituais têm a aparência de um subsistir de modo indiferente e com singularização recíproca; o conceito é, por isso, como alguma coisa de interno. A natureza não mostra, portanto, alguma liberdade na sua existência, mas necessidade e contingência. Por isso não se deve divinizar a natureza na sua existência determinada, pela qual é exatamente natureza, e nem mesmo o sol, a lua, os animais, as plantas, etc. são considerados e apresentados como algo de preferível ao que se refere às ações e aos eventos humanos. - A natureza é divina em si, na ideia, mas do modo em que ela é, o seu ser não corresponde ao conceito; ela é precisamente a contradição insolúvel. A sua peculiaridade consiste em ser posta no negativo no modo como os antigos entenderam a matéria em geral como o não-ens. De modo que a natureza foi também chamada a queda da ideia em si mesma, enquanto ideia, como figura exterior, se encontra inadequadamente de si para si. Apenas à consciência, que por sua vez é antes externa e portanto imediata, isto é, à consciência sensível, a natureza mostra-se como algo que surge por primeiro, imediato, essencial. Mas, uma vez que a natureza é exposição de ideia, se bem que em tal elemento da exterioridade, certamente se pode e se deve admirar nela a sapiência divina. Mas se Vanini dizia que um fio de palha era suficiente para se conhecer o ser de Deus, é verdade ao invés que qualquer representação do espírito, inclusive por pior que seja, o jogo dos seus humores mais casuais, uma palavra qualquer, constituem um fundamento cognitivo do ser de Deus que está mais alto do que qualquer objeto singular natural. Na natureza o jogo das formas não tem apenas uma contingência desenfreada própria, desregulada, mas cada figura por si está isenta do conceito de si mesma. O ponto mais alto que a natureza porta consigo na sua existência é a vida, mas a vida uma vez que subsiste tão-só como ideia natural, é abandonada à irracionalidade exterior, e a vitalidade individual em cada momento da sua existência é prisioneira de uma singularidade que está com ela numa relação de alteridade, enquanto ao invés em cada manifestação espiritual está contido o momento da relação universal livre em si mesma. Um mal-entendido símile tem lugar quando o espiritual no geral é considerado como o mais mísero das coisas naturais, quando obras de arte do homem são adiadas em relação às coisas naturais, uma vez que o material delas deve ser tomado pela forma exterior e não estão vivas. Como se a forma espiritual não contivesse uma vitalidade superior e que, assim, não seria digna do espírito mais do que a forma natural, e que a forma no geral não seria superior à matéria e, em tudo aquilo que é ético, também naquilo que pode ser chamada de matéria, não pertenceria apenas ao espírito, e como se natureza o nível mais alto, vivente, não tomasse também a sua matéria externamente. Como ulterior motivo de superioridade da natureza, alega-se o fato de que a natureza, não obstante a contingência das suas existências, permaneceria sempre fiel às leis eternas; mas isto vale também para o reino da autoconsciência! O que já é reconhecido na fé de que uma providência julgue os eventos humanos - ou talvez as determinações desta providência no campo dos eventos humanos deveriam ser apenas contingentes e irracionais? Se depois a contingência espiritual, o arbítrio, chega até o mal, isto significa, todavia, ainda alguma coisa de infinitamente superior no caminho, conforme as leis, os astros, ou a inocência da planta; uma vez que, quem erra assim, é ainda o espírito. Acrescenta-se. A divisibilidade infinita da matéria não significa outra coisa senão que ela é alguma coisa de externa a si mesma. A imensidão da natureza que por primeiro provoca estupor, é precisamente esta exterioridade. Considerando que cada ponto material parece ser completamente independente de outro, a ausência de conceito domina na natureza, que não reúne os seus pensamentos. O sol, os planetas, os cometas, os elementos, as plantas, os animais existem isoladamente por si mesmos. O sol em relação à terra é um outro indivíduo ligado aos planetas tão-somente pela gravidade. Apenas na vida se alcança a subjetividade, opostamente àquilo que é extrínseco reciprocamente; coração, fígado, olhos, por si só não são de fato independentes e a mão, destacada do corpo apodrece. O corpo orgânico é ainda múltiplo, aquilo que está extrínseco reciprocamente; mas algum em singular tem consistência somente no sujeito e o conceito existe como o domínio daqueles membros. Deste modo o conceito, que, onde domina a sua falta, é apenas um interno, chega à existência pela primeira vez na vida como alma. A espacialidade do organismo não tem nenhuma veracidade para a alma, de outro modo devemos ter muitas almas tanto quanto são os pontos; de fato a alma sente em cada ponto. Não se deve deixar enganar pela aparência do extrínseco recíproco, mas reconhecer que os seres no extrínseco recíproco constituem apenas uma unidade; os corpos celestes parecem apenas estar independentes, mas estes são vigiados por um único território. Uma vez que porém a unidade na natureza é uma relação de entes aparentemente independentes, a natureza não é livre, mas apenas necessária e contingente. Efetivamente a necessidade é a inseparabilidade dos distintos, que apresentam-se ainda indiferentes (gleichgultig); que todavia a abstração do ser fora de si encontre também o seu reconhecimento, é a contingência, a necessidade externa, não a interna do conceito.
Hegel, Filosofia da natureza, Utet, 2002, p. 90 - 95
Hegel despreza a natureza, os corpos, que nada mais são do que objetos usados pela alma que é o poder com que Deus controla o homem. A natureza é o objeto externo, um objeto estranho aos homem que é o sujeito em espírito que habita um corpo.
Para Hegel a natureza é um instrumento de Deus capaz de produzir corpos mortos que devem conter as almas. Para ele a natureza produz os corpos, mas a natureza, como nós Seres Humanos a pensamos, existe somente no momento em que o primeiro corpo habitou o mundo tornando-se consciente. Hegel diria, no momento em que a alma entrou num corpo, isto porque Hegel como cristão, que colocou a teologia como fundamento do seu pensamento próprio não pode fazer outra coisa senão pensar na natureza como "produtora de corpos", sendo que Hegel não está em condições para pensar em corpos que produzem a natureza.
E, assim, conforme Hegel, vive-se na Natureza com um "outro" proveniente do espírito. A natureza parece-lhe ser como o mal onde o espírito mergulha e diz a Hegel: "Por isso não se deve divinizar a natureza na sua existência determinada, exatamente por isso ela é natureza, e nem mesmo o sol, a lua, os animais, os planetas, etc. são considerados e apresentados como algo de preferível em relação às ações e aos eventos humanos. Hegel fez como sendo dele a visão cristã segundo a qual Deus criou o homem para que:
'Deus criou o homem à sua imagem; a imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou. Deus os abençoou e lhes disse: <<Sejam fecundos e multiplicai-vos, preenchei a terra; subjugai-a e dominai os peixes do mar e os pássaros do céu e cada ser vivente, que se arrasta sobre a terra>>
Gênesis 1, 27 - 28
A visão da vida da natureza em Hegel cessa aqui. A criação pertence às suas emoções e pela criação ele manifesta o seu impulso de domínio que o leva a desprezar a natureza como alteridade em relação ao seu ser no mundo. Como se ele não fosse a natureza.
E ainda, Hegel escreve:
'A natureza é o negativo, uma vez que é o negativo da ideia. Jacob Bohme diz que o primeiro produto de Deus seria Lúcifer e que esta essência luminosa teria se refletido nela mesma como uma imagem e teria se tornado malévola; este é o momento da distinção, a alteridade que considera-se fixa ao que se refere ao Filho que é a alteridade no amor. Tais representações, que se apresentam de modo selvagem no gosto do estilo oriental, têm o seu fundamento e o seu significado na natureza negativa da natureza. A outra forma de alteridade é o imediatismo que consiste no fato de que o diferente subsiste por si abstratamente. Este subsistir todavia é apenas momentâneo, não é um subsistir verdadeiro; somente a ideia subsiste eternamente, já que ela é ser em si e de per si, isto é ser voltado em si. A natureza no tempo é o primeiro término, mas absolutamente prius é o término último, o verdadeiro princípio. O A e o ômega. Frequentemente os homens consideram o imediato superior, e pensa-se ao invés que o mediato seja dependente; o conceito porém tem ambos os lados, é a mediação através da superação da mediação, e portanto o imediatismo. Assim se fala de uma fé imediata em Deus; mas isto é o modo de ser degradado, não o superior, como no restante também as religiões originárias, as primeiras religiões, eram religiões naturais. O afirmativo na natureza é a translucidez do conceito; o modo próximo, e a saber como o conceito mostra a sua força, é a transitoriedade desta exterioridade; analogamente, todas as existências são inclusive um só corpo (Leib) no qual a alma habita. O conceito se manifesta nestes membros gigantescos, mas não como ele mesmo, o que sucede tão-só no espírito, onde o conceito existe como ele é.'
Hegel, Filosofia da natureza, Utet, 2002, p. 96
A natureza é o demônio, Lúcifer, de outro modo em relação ao espírito, à alma que habita o corpo.
O comportamento de Hegel em relação à natureza é coerente com a defesa do rei, elaborada por Hegel, contra as reivindicações "liberais" de alguma forma qualquer de liberação social, o rei é rei por vontade de Deus e conserva em si o espírito de Deus, enquanto as pessoas, os súditos, são a sua alteridade, o mal em relação a Deus, isto é o outro que é diferente do espírito, para ele são corpos da natureza que devem obedecer ao espírito de Deus representado pelo rei.
É necessário, neste ponto, embora a citação de Hegel é bastante longa, conhecer como Hegel pensa o vir a ser do homem cadáver que é habitado por uma alma, e o processo mediante o qual ele, ou outros como ele constroem o seu tornar-se.
Hegel pensa que o homem, como um sujeito, deve obedecer. Vinculado ao dever e submisso à autoridade da mesma forma que é submisso a Deus. Hegel nos diz como o homem é submisso e depois termina por zombar do homem submisso até escarnecê-lo quando, velho exaurido, se apresenta como um fracassado diante da sua própria existência aguardando apenas morrer.
Hegel escreve na "filosofia do espírito":
Na alma, determinada como indivíduo, as diferenças são como modificações disto, do sujeito unitário que persiste nas mudanças, e como momentos do seu desenvolvimento. Dado que trata-se de diferenças físicas e espirituais concomitantemente, precisaria, para determinar ou descrever de maneira mais concreta antecipar o conhecimento do espírito formado. Estas mudanças são: 1) O curso natural das idades da vida da criança, que é o espírito ainda intrincado em si - passando através da oposição desenvolvida, a tensão de uma universalidade esta mesma ainda subjetiva (ideais, imaginações, dever ser, esperanças, etc.) em comparação com a singularidade imediata, isto é do mundo presente, inadequado a tais ideais, e o pôr-se no seu ser determinado, em comparação com o mundo, do indivíduo que, por outro lado, está ainda privado de independência e incompleto (jovem) - até a verdadeira relação, ao reconhecimento da racionalidade e da necessidade objetiva do mundo já presente e realizado, cuja obra se realiza em si e por si, o indivíduo fornece à sua própria atividade uma confirmação e uma participação que lhe permite ser qualquer coisa, de possuir presença real e efetiva e valor objetivo (homem); para alcançar enfim a realização de uma unidade com esta objetividade, da qual a unidade, enquanto real, penetra na inatividade do hábito que ofusca, e idealmente se libera dos interesses limitados e complicações da realidade externa presente (velho). Acrescentamento. Dado que a alma, que no início é totalmente universal, se particulariza e enfim se determina à singularidade, à individualidade, do modo como indicamos, ela entra em oposição com a própria universalidade interna, com a própria substância. Tal contradição da singularidade imediata e da universalidade substancial nela presente, funda em si o processo vital da alma individual: um processo mediante o qual a sua singularidade imediata torna-se conforme o universal, este último adquire, nela, realidade efetiva, e assim a primeira, simples unidade da alma com ela mesma é elevada à unidade mediata da oposição, e a primeira universalidade abstrata da alma desenvolve-se em uma universalidade concreta. Já a vida puramente animal apresenta, do seu modo, em si mesma, esse processo. Mas, como vimos anteriormente, o animal não tem a força para realizar efetivamente, nele mesmo, o gênero; a sua singularidade imediata, que existe, abstrata, permanece sempre em contradição com o seu gênero, o exclui de si não menos do que o inclui em si. É em decorrência desta incapacidade, para exibir completamente o gênero, que o simples vivente perece. O gênero se mostra nele como uma potência diante da qual ele não pode desaparecer. Por isso que o gênero na morte do indivíduo atinge uma realização efetiva que é, da mesma maneira abstrata na singularidade do simples vivente, e a exclui exatamente tal como o gênero fica excluído da singularidade vivente. - Ao contrário, o gênero se realiza efetivamente no espírito, no pensamento, neste elemento que lhe é homogêneo. Mas, ao nível da antropologia, esta realização, no mesmo espírito natural individual tem lugar ainda o modo da naturalidade; e portanto cai no tempo. Tem origem, assim, uma série de estados diversos, que são percorridos pelo indivíduo como tal: uma série de diferenças que não tem mais a firmeza das diferenças imediatas do espírito natural universal, que domina nas raças humanas diversas e nos espíritos nacionais, mas mostram-se no mesmo e idêntico indivíduo como formas fluidas, em que uma atravessa a outra.'
Hegel, Filosofia do espírito, Utet, 2000, p. 139 - 140
Hegel coloca o homem como dono daquilo que ele pensa foi que foi criado. A alma da universalidade abstrata, baixando-se num corpo animal se torna, segundo Hegel, universalidade concreta.
Não somente Hegel nos fala da presença de uma alma sem demonstrá-la, mas nos narra inclusive o mecanismo da alma que, se introduzindo num corpo animal, se torna autêntica universalidade do seu ser no mundo.
Mas, Hegel diz, o animal não tem a força para realizar nele mesmo o gênero, porque o animal morre. O animal, segundo Hegel, não pensa, não trama, não ama, não vive. Deste modo a realização do ser no qual a alma está introduzida, segundo Hegel, leva o indivíduo à morte. Um sujeito que Hegel acredita ser estranho a si mesmo, ao próprio gênero, à própria existência.
Ao contrário, Hegel diz, o gênero se realiza exatamente no espírito, nesta alma universal que baixou no cadáver por intermédio do pensamento, a palavra pensada, que tem afinidade com o espírito.
Com esta reflexão Hegel se propõe novamente a citar o texto da gênesis bíblica, a palavra de Deus que cria o mundo. Nos propõe de novo, igualmente, o evangelho de João que põe o verbo no início do mundo, a palavra. E a palavra seria, segundo Hegel, a afinidade entre a alma universal e o homem que, diferentemente de todos os outros animais, é portador da palavra.
Neste ponto, Hegel nos fala do vir a ser do homem e da realização da alma no homem.
Para Hegel a criança no ventre da mãe é com um vegetal. Ela se nutre continuamente e não manifesta conceitos abstratos, racionais. Não tem a palavra que manifesta, segundo Hegel, a presença da sua alma.
Segundo Hegel, o feto no ventre da mãe, é como um objeto vegetal puro.
Hegel escreve:
'Esta série de estados diversos é a série das idades da vida. Ela começa com a unidade imediata, ainda não diferenciada, pelo gênero e pela individualidade, - com o abstrato há o surgir da individualidade imediata, com o nascimento do indivíduo, e termina com a inserção (Einbildung) do gênero no indivíduo ou deste naquele, com a vitória do gênero sobre a singularidade, com a negação abstrata desta última: com a morte. Aquilo que no vivente, como tal, é o gênero, no âmbito espiritual é a racionalidade; de fato, o gênero já possui a determinação - que melhor convém ao elemento racional - da universalidade interna. Nesta unidade do gênero com o elemento racional reside o motivo que faz, sim, com que os fenômenos espirituais, que emergem no curso das idades da vida, correspondam às mudanças físicas do indivíduo que nele se desenvolvem. A concordância do elemento físico e do espiritual está mais determinada aqui do que nas diferenças raciais, onde o que importa são apenas as universais, diferenças fixas do espírito da natureza, e tanto quanto as diferenças fixas físicas dos homens, enquanto aqui é preciso considerar as mudanças determinadas pela alma individual e corpórea. Por outro lado, no entanto, não nos impele a uma busca do desenvolvimento fisiológico do indivíduo a imagem oposta do desenvolvimento espiritual; neste último de fato, a oposição que aqui surge, e a unidade que deve nascer, têm um significado muito mais elevado que não há no plano fisiológico. O espírito revela aqui a independência própria em relação à própria corporeidade, uma vez que ele pode desenvolver-se antes desta. Com frequência as crianças têm demonstrado um incremento espiritual muito precoce do que o físico. Isto aconteceu particularmente no caso de fortes talentos artísticos, sobretudo para o gênero musical. Também no caso de aprendizagem de diversos tipos de conhecimento, particularmente no campo da matemática, tais como em relação aos raciocínios intelectuais, até mesmo acerca de argumentos religiosos e morais, tem-se demonstrado não amiúde esta maturidade precoce. Todavia é preciso reconhecer que no geral o intelecto não vem a não ser com os anos. Quase só no caso dos talentos artísticos a precocidade do aparecimento deles noticiou uma superioridade. Ao contrário, em certas crianças o desenvolvimento precoce de inteligência não foi de fato, a regra, o germe de um espírito destinado a chegar, com a maturidade, a uma grande perfeição. O processo de desenvolvimento natural do indivíduo humano se decompõe numa série de processos em que a diferença se baseia na diferença do relacionamento entre o indivíduo e o gênero, e funda a diferença entre menino, homem e velho. Estas diferenças exibem diferenças do conceito. Por isso que a infância é o tempo de harmonia natural, da paz do sujeito consigo mesmo e com o mundo; o início isento de oposição, exatamente como a velhice é o fim isento de oposição. As oposições que se apresentam na infância permanecem desprovidas de um interesse mais profundo. O menino vive na inocência, sem sofrimento duradouro, com o amor dos genitores e sentindo ser amado por eles. Esta unidade imediata, portanto não espiritual, mas puramente natural, do indivíduo com o seu gênero e com o mundo em geral, deve ser superada, é preciso que o indivíduo progrida até colocar-se frente ao universal como à Coisa que é em si e para si, realizado e subsistente, e entendido na sua independência própria. Todavia, num primeiro momento esta independência, esta oposição, apresenta-se como uma figura tanto quanto unilateral como é, no menino, a unidade subjetiva e objetiva. O jovem dissolve a ideia que é dada à realidade efetiva no mundo, atribuindo a si mesmo o verdadeiro e o bom, a determinação do substancial que pertence à natureza da ideia, atribuindo ao invés ao mundo a determinação do contingente, do acidental. - Não se pode deter-se nesta oposição carente de verdade; antes o jovem deve elevar-se acima dela, compreendendo que no oposto é preciso considerar o mundo como sendo o substancial, e o indivíduo apenas como um acidente; por isso o homem pode encontrar a sua própria atividade e satisfação essencial somente no mundo que firme lhe resiste, e que ele deve por isto obter-se a habilidade requisitada pela Coisa - Atingido este ponto, o jovem tornou-se homem. Completo em si mesmo, o homem considera também a ordem ética do mundo como alguma coisa que ele não deve começar a produzir, mas que pelo essencial já é tido por completo. Assim ele é ativo para a Coisa e não contra ela, o seu interesse é pela Coisa e não contra ela, e com isto ele se coloca acima da subjetividade unilateral de jovem, do ponto de vista da espiritualidade objetiva - A velhice é ao contrário a retorno à falta de interesse pela Coisa; o velho está comprometido, vivendo com a Coisa, e exatamente por causa desta unidade já está sem oposição com a Coisa, renuncia a atividade plena de interesse por esta última. Agora se trata de determinar mais de perto a diferença das idades da vida que indicamos de maneira geral.'
Hegel, Filosofia do espírito, Utet, 2000, p. 140 - 142
O homem, segundo Hegel, é caracterizado pelo gênero (comum aos animais) e pela racionalidade que o distingue dos animais e restitui a expressão completa da sua alma. Hegel diz que aquilo que no vivente é o gênero, na espiritualidade é a racionalidade.
A alma que entra nos corpos determina a raça, determina a transformação fisiológica dos corpos ainda que Hegel acrescenta que "não se pode impelir" a busca pelo desenvolvimento espiritual do indivíduo na sua fisiologia porque a relação entre espírito e corpo tem "um significado mais elevado". Em suma, Hegel aceita a interpretação fisionômica mas não quer que a interpretação fisionômica intervenha na interpretação da relação corpo-alma.
Onde Hegel entrevê a atividade da alma nos corpos humanos, nas crianças particularmente? O desenvolvimento espiritual é acolhido por Hegel na manifestação de talentos artísticos na crianças ou no campo matemático, ou na manifestação de raciocínios ou com raciocínios religiosos ou morais. Em suma, aquilo que chamamos cultura, nas específicas manifestações do indivíduo singular, Hegel chama-a de "manifestação da alma". Em resumo, não é o menino que, enquanto corpo, manifesta as suas peculiaridades próprias no mundo, mas é a sua alma que está usando-o como um objeto.
Para Hegel o homem é um puro objeto e o menino é somente uma besta que deve ser obrigada à obediência e à submissão: para o bem da sua alma!
O que é o menino? É o futuro da sociedade em que vivemos e Hegel se preocupa em forçar tal futuro a dobrar-se diante das suas exigências. Quem é o menino? É aquele que Hegel obriga a trabalhar na indústria manufatureira nascente, o escravo forçado a trabalhar, a alienar-se da sua própria vida. Para Hegel o menino não é o sujeito social, é o objeto possuído por Deus ou pela sociedade que o molda para que aja em função daquilo que serve para a sociedade. Moldar o menino em função do dever a ser imposto ao menino. O descuido para com o menino é a imagem que a covardia dos cristãos faz do menino, que fingem não ver a estrutura emotiva do menino e o seu sofrimento ao afrontar as condições e as contradições da sua vida.
O menino não é "desconsiderado", mas está combatendo numa batalha titânica para poder construir o seu crescimento. De uma batalha que, se pudesse, fugiria para refugiar-se em portos seguros ou reconfortantes.
O menino tem os seus tempos para construir a sua independência própria, mas para fazê-lo tem a necessidade de ter os genitores capazes de construir a independência deles, genitores independentes, conscientes de si mesmos, capazes de transmitir ao menino a necessidade e o prazer em construir a sua independência própria.
Segundo Hegel é necessário que o indivíduo progrida até "colocar-se frente ao universal como à Coisa em si e por si". Em suma, o indivíduo progride quando está diante de Deus e o reconhece como objeto em si e por si completo e subsistente colhendo, através disto, a sua independência própria.
O dever de reconhecer Deus, segundo Hegel, demonstra os progressos do menino para que ele possa se tornar homem.
Hegel escreve:
'Podemos diferenciar a infância em três, ou - se quisermos levar em consideração o menino que ainda não nasceu, idêntico à mãe - em quatro etapas. O menino que ainda não nasceu não tem ainda absolutamente alguma verdadeira e própria individualidade; alguma individualidade que se relacione de modo particular com objetos particulares, que introduza alguma coisa de externo num determinado ponto do seu organismo. A vida do menino não nascido assemelha-se à da planta. Como esta última não tem uma semelhança intermitente, mas uma nutrição em fluxo contínuo, assim também o menino num primeiro tempo se nutre por meio de uma absorção permanente, e ainda não possui uma respiração intermitente. Quando o menino, deixando o estado vegetativo no qual se encontra no corpo da mãe, é colocado no mundo, ele passa ao modo animal de viver. É por isso que o nascimento é um salto prodigioso. Com este salto, o menino passa de uma situação de vida inteiramente isenta de oposição a uma situação de separação; relacionando-se com o ar e a luz, e a relacionar-se, de modo que conhece desenvolvimentos sempre maiores, em uma objetividade singularizada no geral, e em particular a uma nutrição singularizada. O primeiro modo com o qual o menino se constitui em ser independente é a respiração: a inspiração e expiração do ar que interrompe o fluxo elementar num ponto singular do corpo. Já logo depois do nascimento do menino, o seu corpo se mostra quase que completamente organizado; nele apenas detalhes mudam, por exemplo só em seguida se fecha o assim denominado forame oval. A principal mudança do corpo do menino consiste no crescimento. Ao que diz respeito a este crescimento, é só recordar que na vida animal em geral - diferentemente do que acontece na vida vegetal - o crescimento não é um sair de si, um ser arrancado para além de si; não há nenhuma produção de novas formações, mas apenas um desenvolvimento do organismo, que implica em uma diferença puramente quantitativa, formal, que se relaciona tanto quanto ao grau da força de extensão. Analogamente, não é necessário analisar aqui detalhadamente (como já sucedeu na filosofia natural no local oportuno) o fato que este cumprimento da corporeidade que se realiza só no organismo animal, este reconduz todos os membros à unidade negativa, simples, da vida, é a base do sentimento de si que surge no animal, e portanto também no menino. Ao contrário devemos aqui assinalar que no homem o organismo animal atinge a sua forma mais perfeita. Inicialmente, todavia, o menino revela uma dependência e carência bem maior do que a do animal; mas também nisto já manifesta a superioridade da sua natureza. A necessidade nele se exprime imediatamente de maneira violenta, raivosa, imperiosa. Enquanto o animal é mudo, ou exprime a própria dor somente mediante gemidos, o menino externa o sentimento das próprias necessidades mediante o grito. Mediante esta atividade ideal o menino se mostra impregnado da certeza de estar no direito de exigir do mundo externo a satisfação das necessidades pessoais; a certeza de que a independência do mundo em comparação ao homem é nada.'
Hegel, Filosofia do espírito, Utet, 2000, p. 142 - 143
Hegel prossegue com mais detalhes no seu esquema. O menino na barriga da mãe é um vegetal e o nascimento do menino o transforma em um animal.
Segundo Hegel a diferença está no fato de que o feto se nutre continuamente, como ele acredita que as plantas fazem, enquanto o animal se nutre alternativamente.
Hegel afirma que a vida do feto é isenta de oposição enquanto o nascimento leva o menino a se opor, como ele mesmo, ao mundo.
Logo após o nascimento, Hegel diz, o menino mostra um corpo completamente organizado caracterizado pelo crescimento, uma pura e simples extensão do seu nascimento, diferentemente das plantas, ele produz um outro diferente dele. Se esta concretização, este crescimento, é definido por Hegel em todos os animais, Hegel se apressa em acrescentar "devemos aqui assinalar que no homem o organismo animal atinge a sua forma mais perfeita. Nem sequer o animal mais perfeito pode exibir esse corpo primorosamente organizado, primorosamente plástico, que já encontramos no neonato."
Nisto Hegel retoma o conceito da criação da bíblia desde o momento em que o homem é criado à imagem de Deus, por isso deve ser necessariamente mais perfeito do que os animais. O que Hegel não quis se perguntar é: esta afirmação iria durar no tempo? Mas para Hegel não interessava a verdade filosófica do seu ser no mundo, interessava-lhe apenas reafirmar os mecanismos da bíblia e justificá-los apresentando-os de um novo modo.
O que distingue o cachorrinho-homem do cachorrinho-animal, para Hegel, é o seu modo "raivoso", o seu pranto com o qual chama a atenção dos genitores.
Hegel sustenta que enquanto o animal é mudo e não solicita a satisfação das suas necessidades, o menino externa a sua necessidade para a satisfação dos seus desejos por meio do grito. Hegel sustenta que por intermédio do grito, que ele chama de "atividade ideal", o menino considera-se o patrão do mundo externo pretendendo a satisfação dos seus desejos particulares.
A única coisa que não se interroga é se as necessidades do menino são satisfeitas, ou se o menino vive uma situação de dor ou de sensação de abandono que ele manifesta por meio do desespero. Com o desespero envolve as emoções dos genitores que são induzidos a socorrê-lo. Nos animais a relação necessidade e emoção é tão imediata e imediatamente reconhecida pela mãe, que a mãe intervém antes que o neonato chegue a perceber a dor por um desejo não satisfeito.
Hegel escreve:
Agora, ao que se refere ao desenvolvimento espiritual do menino nesta primeira fase da sua vida, pode-se dizer que é aquela em que o homem aprende mais. Pouco a pouco o menino se familiariza com todas as especificações do sensível. O mundo externo torna-se para ele alguma coisa de efetivamente real. Ele progride da sensação à intuição. Num primeiro tempo o menino nada mais percebe senão a sensação da luz, por meio da qual o sentido do tato, ele se orienta pelas distâncias. Chega, assim, a avaliar as distâncias através dos olhos, projetando para fora de si o externo. Também o fato de que as coisas externas opõem resistência, o menino aprende nesta idade. A passagem da infância à adolescência ocupa este lugar, que a atividade do menino evolui em comparação com o mundo externo, que ele, chegando ao sentimento da realidade efetiva do mundo externo, começa ele mesmo a tornar-se um homem verdadeiro e a sentir-se como tal, atravessando com isto a tendência para colocar-se à prova para tal realidade efetiva. O menino torna-se capaz para este comportamento prático, aprendendo a morder, aprendendo a ficar em pé, a caminhar e a falar. A primeira coisa que precisa aprender aqui, é a posição ereta. Ela é própria do homem e pode ser feita somente pela sua vontade; o homem está em pé somente até quando quer; quando não queremos mais estar em pé, caímos na terra; a posição ereta é portanto hábito da vontade para manter-se em pé. Um relacionamento com o mundo externo ainda mais livre o homem o obtém caminhando; mediante disto, ele suprime a exterioridade recíproca do espaço, e concede o seu lugar particular. A linguagem, porém, torna o homem capaz de tomar conhecimento das coisas na sua universalidade, alcançando a conscientização da sua própria universalidade, à enunciação do Eu. Este captar o próprio ego (Ichhelt) é um ponto extremamente importante no desenvolvimento espiritual do menino; deste ponto em diante ele, que antes estava imerso no mundo externo, começa refletir em si mesmo. No início este princípio de independência se exprime no fato de que o menino aprende a brincar com as coisas sensíveis. Mas, a coisa mais racional que os meninos podem fazer com os seus brinquedos, é quebrá-los. Passando da brincadeira à seriedade do compreender, o menino se torna garoto. Neste período os meninos começam a ser curiosos, particularmente de histórias; o que lhes interessa são representações que não se apresentam de imediato. A coisa principal é porém o sentimento que neles se desperta, de não ser ainda aquilo que devem ser; e o desejo vivo de tornarem-se como os adultos no ambiente em que vivem. Disto nasce a inquietação dos meninos para a imitação. Enquanto o sentimento de unidade imediata com os genitores é o sugar o leite materno espiritual, com o qual os meninos prosperam; é o que necessitam para se tornarem adultos, fazendo-os assim tornarem-se. A aspiração, exclusiva dos meninos, que estão sendo educados, é o momento imanente em toda a educação. Dado que, todavia, o garoto ainda se mantém dentro do ponto de vista da iminência, o nível superior, ao qual ele deve elevar-se, não lhe aparenta a forma da universalidade ou da Coisa, mas afigura-se algo dado, singular, de uma autoridade. É este ou aquele homem que forma o ideal que o garoto se esforça para conhecer e poder imitar; somente deste modo concreto e deste ponto de vista o menino intui a própria essência. O que o garoto deve aprender é que, deve-se fornecer-lhe com responsabilidade e com autoridade aquilo que ele aprende; ele sente que aquilo que lhe é transmitido é alguma coisa superior a ele. Este sentimento deve ser escrupulosamente fixado na educação. É preciso, consequentemente, denunciar como um total absurdo a pedagogia do jogo, que pretende que as coisas sérias sejam oferecidas aos meninos sob a forma de brinquedo, e compete aos educadores a exigência de abaixar-se ao nível da inteligência infantil ao invés de erguê-la à seriedade da coisa. Esta educação lúdica pode persistir pela vida inteira do garoto como uma consequência que ele irá considerar tudo com o espírito de desprezo. Este triste resultado pode ser provocado também por um incitamento constante para raciocinar, aconselhado pelos pedagogos insensatos; deste modo os garotos facilmente adquirem uma certa presunção. Certamente é necessário solicitar aos meninos para pensarem com suas cabeças individuais; mas não se pode sacrificar a dignidade da Coisa por meio do seu intelecto vão e imaturo.
Hegel, Filosofia do espírito, Utet, 2000, p. 143 - 145
O educador deve impor a sua autoridade ao garoto. O garoto deve se submeter a essa autoridade que lhe oferece a "verdade revelada".
Com certeza, é preciso solicitar dos meninos para que pensem com suas próprias cabeças, mas a cabeça deve, segundo Hegel, ser forçada a pensar do jeito que lhe foi imposto.
Ele acusa como um absurdo o jogo da pedagogia. O jogar para aprender é para Hegel um absurdo, porque o menino, sempre segundo Hegel, aprende porque é submetido e forçado.
O menino cresce e ao crescer constrói relações entre si e o mundo. Se essas relações não são controladas por uma autoridade que as limita e seleciona, o menino forma as suas ideias próprias tornando-se com elas uma pessoa adulta. Hegel não pode permitir que isto aconteça. O menino deve reconhecer a "Coisa", o Deus cristão, do qual Hegel está exaltando o poder coercitivo.
O que Hegel demonstra com as suas reflexões acerca da necessidade de impor autoridade ao menino para que ele reconheça a Coisa (Deus)?
' Estes, pois, são os mandamentos, as leis e as normas que o Senhor vosso Deus ordenou para ensinar-vos, para que os cumprísseis na terra a que passais a possuir; para que tu temas ao Senhor teu Deus, observando por todos os dias da tua vida, tu, o teu filho e o filho do teu filho, todas as suas leis e todos os seus mandamentos que eu te ordeno e que os dias da tua vida sejam prolongados. Ouve, ó Israel, e atenta em os guardar para que sejas feliz e muito te multipliques, na terra que mana leite e mel, como te disse o Senhor Deus dos teus pais. Ouve, Israel: o Senhor é o nosso Deus, o Senhor é um só. Tu amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração e de toda a tua alma, e todas as tuas forças. Estes preceitos que hoje te ordeno estarão no teu coração; e as repetirás aos teus filhos, delas falarás assentado em tua casa, quando estiveres andando pelo caminho, quando te deitares e ao levantares, também as atarás por sinal na tua mão, e te serão por frontais entre os teus olhos e as escreverás nos umbrais da tua casa e nas tuas portas.'
Deuteronômio 6, 1 - 9
Isto é o que Hegel diz quando fala da autoridade que imponha o dever aos garotos. Hegel não faz outra coisa senão repetir como um papagaio os princípios que aprendeu quando estudava para se tornar padre protestante.
A obsessão de Hegel é a do controle da infância para obrigá-la a adequar-se à sociedade, e aos deveres em relação à autoridade que ele identifica com Deus.
Hegel escreve:
'No que se refere mais de perto ao aspecto educação , a disciplina, não há necessidade de permitir ao menino abandonar-se ao seu próprio capricho; deve obedecer, para aprender a comandar. A obediência é o início de toda sabedoria; por intermédio dela, de fato, a verdade que ainda não conhece o verdadeiro, o objetivo, e não constituiu o seu escopo próprio - e que por isso ainda não está verdadeiramente independente e livre, antes está incompleta - admite em si a vontade racional que lhe vem do exterior, e um pouco de cada vez dela se apropria. Se, ao invés, deixa-se que os meninos façam o que querem; se ainda por cima se comete a loucura de dar a eles razões para justificar os seus caprichos incide-se no pior tipo de educação; nos meninos nasce uma tendência deplorável de instalar-se na satisfação particular, em querer distinguir-se, com interesse egoístico: a raiz de cada mal. Por natureza o menino não é nem bom nem ruim, uma vez que no início não tem conhecimento nem do bem nem do mal. Elevar ao ideal esta inocência baseada na ignorância e aspirar nostalgicamente a ela seria coisa de tolos, porque não há valor e é de duração breve. Rapidamente, no menino se manifestam o capricho e o mal. Tal capricho deve ser quebrado pela disciplina; esta deve aniquilar esse germe do mal. Quanto ao outro aspecto da educação, o ensino, é necessário notar que é racional fazê-lo iniciar com aquilo de mais abstrato, o espírito do garoto está em condições de entender as letras do alfabeto. Este pressupõe uma abstração à qual povos inteiros, por exemplo, até os Chineses não alcançaram a linguagem comum sendo este elemento concomitantemente sensível e não sensível, mediante o conhecimento progressivo do qual o espírito do menino é sempre mais elevado, além do sensível e do singular, ao universal, ao pensamento. Seja assim informado a pensar representa a vantagem máxima do primeiro ensinamento,'
Hegel, Filosofia do espírito, Utet, 2000, p. 145
A violência sobre a infância para adequá-la aos esquemas socialmente impostos pela religião, e pela sociedade vinculada à monarquia absoluta, é para Hegel um imperativo. Um imperativo que se torna necessidade de controle das pessoas. Nem mesmo Marx ou Engels estarão em condições para contestar estas afirmações criminosas de Hegel. Marx e Engels se limitarão, no Manifesto do Partido Comunista, a eliminar os excessos de trabalho do menor de idade tornando obrigatória a escola para elevar o nível cultural da sociedade. Rapidamente Marx e Engels manteriam distâncias de Hegel.
Hegel reproduz as exigências do cristianismo em manipular a infância para adequá-la à religião cristã, e o seu conceito de "disciplina" é a legitimação da violência sobre a infância para impor a fé cristã e a submissão à monarquia por vontade de Deus. Que esta tenha sido a vontade de Hegel parece-me que não há nenhuma dúvida, haja vista a sua tomada de posição a favor da monarquia absoluta, e contra o estímulo de solicitação para uma abertura social maior na Alemanha.
Hegel afirma que "a obediência é o início de cada sabedoria!" obedecer a Deus e obedecer ao patrão significa, para Hegel, ser sábios. Na realidade significa "renunciar a si mesmo" , alienar-se dos desejos próprios e da própria existência para ser objetos possuídos por um sujeito externo. E é a ideologia cristã elevada ao serviço do Estado que, também neste caso, torna-se Deus ao qual os indivíduos, reduzidos a súditos, privados dos direitos sociais, devem se submeter. E a submissão é imposta só com a violência física e com o terror de uma Polícia de Estado ou do Exército. Sem o terror da Polícia de Estado, que tortura os cidadãos, renovando a violência com a qual possa submeter geração após geração, após algumas gerações a submissão é socialmente rejeitada porque os homens tendem a subtrair-se para buscar espaços sempre maiores para a sua liberdade.
A miséria moral de Hegel mostra-se clara. Não é capaz de distinguir o "capricho" do menino da "necessidade existencial do menino". Hegel está de tal maneira preocupado para transformar o menino em besta submissa que em cada reivindicação, em cada desejo que se manifesta prepotentemente à consciência do menino é somente um capricho para reprimir. Nisto Hegel se alinha com a necessidade dos padres cristãos (e não somente católicos), e com os teólogos, para estuprar os meninos, só porque as reivindicações dos meninos são tão-somente caprichos.
O mal em si mesmo, para Hegel, é o capricho do menino. O menino que pretende existir e viver, para Hegel, constitui o mal. O pecado cristão que se manifesta no menino, e que é reprimido com a maior violência possível, para reconduzi-lo à submissão e à obediência.
Ao que se refere ao ensinamento, diz Hegel, é preciso afastar o mais possível o menino da sua vida cotidiana. É necessário não torná-lo conhecedor dos mecanismos sociais em que se desenvolverá a sua existência. É preciso obrigá-lo a ficar dentro de uma instrução que, inclusive lhe serão fornecidos os instrumentos, deve afastá-lo da sociedade na qual o menino vive. O menino é forçado a imaginar, a idealizar, a sociedade na qual viverá. É necessário impedir-lhe de analisar a sociedade e de se assenhorear dos mecanismos sociais. Isto porque o menino deve ser obediente, não deve ser posto em condições de reivindicar direitos ou, pior, em dar ordens. De fato, também na nossa sociedade atual temos os meninos (e com eles os adultos) que sabem rezar o "padre nosso", mas não sabem como se comportar diante da Polícia ou diante de um magistrado, e acabam se colocando de joelhos como se colocam de joelhos diante do Deus patrão, a quem os cristãos os submeteu.
Hegel escreve:
[...] 'Jovem o garoto se torna quando com o início da puberdade começa a se agitar nele a vida do gênero, em busca de satisfação. O jovem se dirige no geral rumo ao substancial universal; o seu ideal não mais se lhe afigura como quando garoto, na pessoa de um homem, mas vem a tomar conhecimento de um independente universal de tal singularidade. Este ideal, porém tem uma forma para o jovem mais ou menos subjetiva, ele vive como ideal de amor e de amizade, ou de um enquadramento geral no mundo. Nesta subjetividade do conteúdo substancial de tal ideal reside não somente a sua oposição ao mundo presente, mas também o impulso para superar a oposição dando uma realidade efetiva ao ideal. O conteúdo do ideal infunde ao jovem o sentimento da força ativa; ele se imagina, portanto, ser chamado a - e capaz de - transformar o mundo ou pelo menos a funcionar restaurando um mundo que parece que está no ponto de desmoronar. O espírito exaltado do jovem não vislumbra que o universal substancial compreendido no seu ideal, quanto à sua essência, já alcançado no mundo ao que diz respeito ao desenvolvimento e à efetiva realização. Tal realização de um universal parece-lhe traiçoeira quanto a isto. Ele, por isso, se sente desconhecido no mundo tanto no seu ideal quanto na sua personalidade. Deste modo ele quebra a harmonia com o mundo na qual o menino vive. Por causa disto, a orientação em direção ao ideal, a juventude tem a aparência de uma mentalidade mais nobre e de um desinteresse maior daquele que consta no adulto, que se preocupa com os seus interesses próprios e particulares e temporais. Ao contrário, é preciso notar que o adulto não é mais prisioneiro dos seus impulsos particulares e dos seus pontos de vista subjetivos, nem se ocupa apenas com o seu próprio desenvolvimento pessoal, mas está imerso na razão da realidade efetiva demonstrando-se ativo para o mundo. Neste ponto o jovem consegue necessariamente o próprio fim imediato e de formar-se de modo a tornar-se capaz para a realização efetiva dos seus ideais particulares. Nesta tentativa ele se torna homem.'
Hegel, Filosofia do espírito, Utet, 2000, p. 146 - 147
O menino violentado e submetido à obediência busca uma colocação própria no mundo aceitando tanto obedecer quanto a encontrar soluções para uma adaptação subjetiva. Hegel, após ter manifestado a necessidade de violentar o menino, para poder discipliná-lo em função de necessidades que não são suas, nesse momento Hegel pretende elevar-se a posição de um observador objetivo de uma realidade psíquica produzida no menino manipulado, e violentado, que se tornou "jovem".
Hegel ridiculariza esse jovem que, sendo privado de qualquer dado da realidade, tenta descrever um mundo que os adultos lhe ocultaram para impor-lhe de um modo melhor a submissão a Deus, bem como a prece, como um método de relação com a hierarquia social.
Da violência sofrida na infância surge o ideal como desejo de um mundo sem violência sofrida ou, como alternativa, um desejo de se tornar, por sua vez, carrasco. O ideal, amadurecido como resposta à violência padecida na infância impõe ao jovem uma força ativa voltada a modificar aquele presente que ocasionou-lhe a dor.
Do momento em que se está empenhado em privar o jovem dos instrumentos com os quais ele possa agir oportunamente na sociedade onde ele vive, o jovem está constrangido a imaginar aquilo que lhe poderia ser possível se a objetividade funcionasse como ele imagina que deva funcionar. É o poder da coerção sobre a infância que obriga o jovem a revelar os seus vínculos emotivos com o mundo, e a agir com frequência destruindo a si mesmo e os seus ideais particulares, numa luta desigual entre aquilo que ele deseja e aquilo que lhe é possível realizar, com os meios que ele imagina que deve usá-los.
Hegel escreve:
'No início, a passagem da sua vida ideal para a sociedade civil pode parecer ao jovem uma passagem dolorosa a uma vida de filisteu. Estando até esse ponto apenas ocupado com os argumentos universais, e havendo trabalhado somente para si mesmo, o jovem que está tornando-se homem, entrando para a vida prática, deve ser ativo para outros, e ocupar-se com aspectos particulares. Portanto, por mais que isto esteja na natureza da coisa - já que, se precisa agir, é necessário ir avante em direção ao singular -, também o iniciar em ocupar-se com as questões particulares pode ser muito desagradável para o homem, e a impossibilidade de uma imediata realização dos seus ideais pode torná-lo hipocondríaco. A esta hipocondria, embora pouco visível em muitos, não é fácil evitar. Quanto mais tarde o homem é por ela apanhado, mais preocupantes lhe são os sintomas. Aos de naturezas fracas ela pode estender-se por toda a vida. Neste estado de ânimo mórbido, o homem não quer renunciar a sua própria subjetividade, não consegue superar a aversão em comparação com a realidade efetiva, e exatamente por isso se encontra em um estado de incapacidade relativa, que facilmente pode transformar-se em incapacidade efetiva, Se, portanto, o homem não quer encaminhar-se à ruína, deve reconhecer o mundo como alguma coisa de independente, de substancialmente consumado, aceitar as condições que ele lhe cria, e arrancar com luta da sua rigidez aquilo que ele quer ter para si mesmo. Nesta tal adaptação, o homem acredita via de regra que deve ceder somente por necessidade. Em verdade, porém, esta unidade com o mundo não deve ser conhecida como um relacionamento ditado pela necessidade, mas pela razão. Aquilo que é racional, divino, possui a potência absoluta para realizar-se efetivamente, e está consumado para sempre; não é de tal modo impotente de dever aguardar tão-somente o início da própria realização efetiva, o mundo é esta realização efetiva da razão divina; somente sobre a sua superfície domina o jogo de caso isento de razão. Ele, portanto, pode com outro tanto, antes com maior direito do indivíduo que se torna homem prosseguir com a pretensão de valer como um todo consumado e independente; e o homem age por conseguinte pela maneira do todo racional abandonando o projeto de uma completa transformação do mundo, e esforçando-se para realizar os seus escopos pessoais, paixões e interesses somente dentro próprio vínculo com o mundo. Também assim permanece-lhe espaço para uma atividade honrosa de grande amplitude e criativa. De fato, embora se deva reconhecer que o mundo é alguma coisa de realizado, não é todavia algo morto ou absolutamente parado, mas, tal como o processo da vida, alguma coisa que sempre novamente se produz, alguma coisa que, nada fazendo senão conservar-se, ao mesmo tempo progride. Nesta produção incessante e contínua do mundo consiste o trabalho do homem. Podemos, portanto, por um lado afirmar que o homem produz apenas aquilo que já existe. Todavia, por outro lado precisa que um progresso seja concretizado pela sua atividade. O avanço do mundo porém acontece só em massas imensas, e se deixa notar somente quando aquilo que foi produzido assume dimensões imponentes. Se o homem, após cinquenta anos de trabalho volve-se para olhar o seu próprio passado, conseguirá então avistar o caminho que está feito. Este conhecimento, como a inteligência racional do mundo, libera-o da tristeza em decorrência da destruição dos seus ideais. O que para ele existe de verdadeiro naqueles ideais conserva-se na atividade prática; somente o não verdadeiro, as abstrações vazias, são o que o homem deve extinguir trabalhando. O campo de ação e o mundo da sua realização podem ser dos mais diversos; mas o elemento substancial é o mesmo em todos os assuntos humanos, vale dizer que ao que se refere ao direito, os costumes e a religião. Por isso os homens podem encontrar satisfação e honra em todas as esferas da sua atividade prática, se realizam em qualquer parte o a que eles são de bom direito requisitado na esfera particular à qual pertencem por acaso, necessidade externa ou livre escolha. Para esta finalidade está em primeiro lugar necessário que a cultura do jovem, que está se tornando homem, seja completa, que ele tenha terminado os seus estudos, e em segundo lugar que ele decida-se a cuidar da sua própria subsistência, começando a dirigir a sua atividade em proveito de outros. A simples cultura ainda não o faz um homem completo por inteiro, como tal ele se torna tão-somente um retoque de um modo pessoal e inteligente, ao que diz respeito aos seus interesses temporais próprios; do mesmo modo também os povos mostram-se com maturidade quando chegam ao ponto de não se deixarem excluir da salvaguarda dos seus interesses materiais e espirituais por um assim denominado governo paterno.'
Hegel, Filosofia do espírito, Utet, 2000, p. 147 - 148
Em Hegel há somente o ideal da submissão a Deus. Ao Deus dos cristãos e, segundo Hegel, o homem só se realiza tornando-se servo devoto do Deus dos cristãos. O jovem entra para a vida prática e na vida prática reproduz a violência sofrida na infância. Uma violência que Hegel chama de ideal do dever.
Talvez Hegel fale do ideal do "rei", o dever do "rei" é o de ser patrão e estuprador das pessoas reduzidas a súditas. Mas o "rei" é uno, enquanto eu falo dos ideais das multidões, das pessoas, dos corpos desejosos que sob o reinado do rei não têm direitos, não têm futuro, são forçadas a renunciar aos seus ideais porque são privadas do pão e obrigadas a viver entre doenças e ignorância cultural. Hegel desposou o ideal da ditadura. Ele desposou com o ódio em relação aos homens. Um ódio que tem a sua raiz no Deus dos cristãos.
A necessidade da satisfação dos desejos próprios leva o indivíduo a sair da violência sofrida, mesmo que esta violência tenha sido física, psicológica ou emotiva.
Mas, em Hegel, o homem deve curvar-se ao poder e renunciar a si mesmo. Não há ideais exatamente porque foi obrigado a obedecer, e ao ser forçado a obedecer, os católicos vendem os meninos às indústrias como mão-de-obra de escasso valor e, assim, comerciam os meninos e comercializando meninos com o objetivo de se assegurarem de fiéis submissos e obedientes.
Sobreviver, para Hegel, não é um ideal, mas se não sobrevives não terás nenhum ideal. Um ideal é um luxo, ao passo que vinhas a ser surrado porque não rezavas. Os homem, para ele, não têm satisfações. Aos homens não existe um ideal de justiça; há somente a violência do mais forte, o prazer do mais forte em torturar os mais fracos que clama por "justiça".
A sociedade desejada por Hegel é uma sociedade constituída de adultos doentes onde os únicos ideais que se encontram são os ideais sonhados pelo escravista que te relata sobre o seu direito de traficar escravos pela vontade de Deus, ou do imperador Prussiano, o escravista que te relata acerca do seu direito de mandar ao matadouro os seus próprios soldados para a sua glória, ou para combater aqueles ideais de igualdade que, chegando da França, gostariam que ele, o patrão dos homens, fosse igual aos seus escravos diante da lei.
Hegel escreve:
'Ao passar para a vida prática, o homem pode ao contrário ser triste e desgostoso pela situação do mundo, e perder a esperança de uma melhora desta; a despeito disto todavia ele se instala nos relacionamentos objetivos, e vive habituando-se a eles e aos seus próprios deveres. Os assuntos dos quais ele se ocupa são antes singulares, mutáveis, mais ou menos novos nas suas características próprias. Ao mesmo tempo estas singularidades têm em si alguma coisa de universal, uma regra, alguma coisa de conforme a lei. Neste momento, quanto mais o homem é ativo nos seus deveres, mais ele vê este universal emergir de todas as particularidades. Por essa via ele alcança o estar plenamente em casa própria no seu setor, a mergulhar completamente no seu próprio papel. Em todos os objetos da própria ocupação, o essencial lhe é doravante bem conhecido, e somente o individual, o não essencial pode algumas vezes conter alguma coisa de novo para ele. Mas, exatamente pelo fato de que a sua atividade tornou-se deste modo perfeitamente conforme o seu dever; de não encontrar mais alguma resistência do mesmo objeto, precisamente por esse desenvolvimento realizado da sua atividade a vitalidade desta se apaga; porque p interesse do sujeito pelo objeto desaparece com o desaparecer da oposição entre os dois. Assim, a causa do hábito da vida espiritual como a causa do esperar-se pela atividade do seu organismo físico , o homem se torna um velho.'
Hegel, Filosofia do espírito, Utet, 2000, p. 148 - 149
Deste modo, segundo a visão existencial de Hegel, os homens esvaziados do ímpeto para a existência, incapazes de dilatar a própria consciência e precisamente o corpo no mundo, aguardam os deveres que a sociedade lhes impôs.
Homens monótonos, privados do dinamismo vital a caminho de um futuro, mas presos à sua própria "obrigação". Pregados na precisa obediência e particularmente são ativos para obedecer, ainda mais escondem o seu vazio.
A obediência deles, a submissão deles, Hegel diz, é de acordo com a lei. Qual lei? Qual o motivo de existir tal lei? Hegel não o diz, mas do momento que os homens são submissos aguardando a sua missão, segundo Hegel, deve existir uma lei natural que impôs esse comportamento que o homens põe em prática.
Do momento que a obediência do homem tornou-se assim tão perfeita à sua missão, Hegel diz, não existe mais nenhuma resistência do sujeito para essa imposição da sua obediência anulando, de fato, a contradição entre o sujeito e a necessidade do mundo. O homem que se rende à obediência cessa de viver os conflitos entre ele e o mundo porque não detecta mais as implicações acarretadas pelos fenômenos do mundo; o obedecer, que gratifica a quem impôs o obedecer, encerra em si o significado da sua existência no mundo.
O obediente sujeito à submissão anula as contradições entre o homem e o mundo, exaure em si toda a energia existencial do homem que, dias após dias vazios acaba por transformá-lo em um homem melancólico na espera somente da velhice e da morte.
Hegel escreve:
'O velho vive sem interesse determinado, uma vez que renunciou a esperança de poder realizar efetivamente ideais precedentemente cultivados, e o futuro parece não prometer-lhe exatamente nada de novo; antes, ele já acredita que conhece o universal, o essencial de tudo que ainda pode suceder-lhe. Desta maneira, a mente do velho está voltada somente ao universal, e ao passado ao qual deve o conhecimento desse universal. Mas, vivendo assim na recordação do passado e do substancial, ele perde a memória para os aspectos singulares do presente, e pelos arbitrários, por exemplos para os nomes, precisamente como ao inverso, fixa os sábios ensinamentos da experiência, e se considera no dever de pregar aos jovens tais ensinamentos. Mas esta sabedoria - esta coincidência perfeita privada de vida a atividade subjetiva com o próprio mundo - remonta a infância que ignora a oposição, justamente como a atividade do seu organismo físico, que se tornou hábito isento de processo, passa à negação abstrata da singularidade de vivência: à morte. Assim termina o curso das idades da vida do homem, até constituir uma totalidade determinada pelo conceito, de modificações produzidos pelo processo que se desenvolve entre gênero e o indivíduo isolado. Como na descrição das diferenças raciais dos homens, e na caracterização dos espíritos nacionais, também aqui, para poder falar de modo determinado acerca do curso das idades da vida do indivíduo humano, fomos forçados a antecipar o conhecimento do espírito concreto que ainda não forma objeto da consideração da antropologia (visto que é ele entra naquele processo de desenvolvimento), e para fazer uso deste conhecimento para a diferenciação dos diversos graus deste processo.'
Hegel, filosofia do espírito, Utet, 2000, p. 149
O homem agora é velho. O homem não somente não realizou aquilo que ele sonhava, mas foi violentado e obrigado a submeter a sua vida e as suas escolhas a favor de quem lhe impôs a submissão e deferência. Trabalhou para realizar os sonhos de quem o submeteu, fazendo calar os seus desejos particulares, e as suas necessidades.
Agora velho não vê nenhuma possibilidade. A renúncia, construída dia após dia, leva o homem a renunciar a sua vida, ao seu futuro. Assim o fez quando era jovem e agora velho está convencido de que não há mais futuro.
O velho não crê conhecer os universais. O velho está consciente do seu próprio fracasso na existência. O velho mata a tristeza do seu insucesso comparando-se com os jovens; o velho escarnece das expectativa e sorri porque vê a violência que é cometida aos jovens para transformá-los em homens vazios e submissos como foi feito com ele.
Este velho teria uma possibilidade para remediar o seu fracasso na existência: agir para que os jovens, até o quanto lhe é possível, não sejam forçados a sofrerem a violência da submissão que ele próprio sofreu. Mas inúmeros velhos, mesmo se quisessem, não podem fazê-lo: não têm mais energia. Outros velhos ainda apreciam ser imposta aos jovens a mesma violência que os submeteu e, deste modo, participam ativamente para que a submissão seja imposta alimentando a violência de subjugar.
A este velho nada resta senão morrer. Hegel venceu, ele conduziu o homem que viveu como zumbi obediente para ser morto. Este ser agora é nada.
Para contrastar o corpo, tal como produto da natureza, com a alma, Hegel usa como se fossem suas as teses dos neoplatônicos. A alma, para Hegel, é um todo que se "particulariza" fazendo com que o corpo individual viva e que, sem ela, o corpo é só um cadáver.
A alma, para Hegel, é o todo, conforme está descrito no Parmênides de Platão, e não somente do Parmênides de Platão ele toma o conceito de alma como sendo o todo, mas apanha também o conceito segundo o qual o Ser é o nada. A alma, que é o todo, tornar-se particular no homem singular e, uma vez que o homem está morto, a alma então retorna ao todo.
Só que o "todo" para Hegel não é o todo neoplatônico, o todo para Hegel converte-se na sociedade que tudo pretende de cada membro seu. Uma sociedade que é a desejada por Deus, que é a proprietária dos homens. Uma sociedade onde os homens são particularizados e depois voltam a ser engolidos pela mesma sociedade.
Em 1805 graças à recomendação de Goethe, Hegel é nomeado professor extraordinário. Entretanto, o amigo Holderlin está muito mal.
Em 1806 Hegel entrelaça uma relação com Christiane Charlotte Fischer, a sua hospedeira casada com Burckhardt. Em 31 de outubro de 1806 o exército francês entra em Jena. A casa onde está hospedado Hegel é requisitada e, então, ele vai morar com um amigo. Em novembro entra em acordo com editor para a publicação do próximo manuscrito.
Em 1807 Hegel publica "Fenomenologia do espírito". Enquanto isso nasce o seu "filho ilegítimo" fruto da relação com Christiane. Hegel abandona Jena e se transfere para Bamberga onde assume o carga de redator-chefe do jornal "Bamberger Zeitung". Em novembro Schelling comunica a Hegel as suas impressões sobre a "Fenomenologia do espírito" recentemente lido. Depois daquela carta Schelling e Hegel rompem os laços do relacionamento.
Vale a pena refletir sobre as ideias de Hegel relativas à relação entre patrão e servo conforme expostas na "Fenomenologia do espírito".
Hegel faz com o seu conceito seja abstrato a respeito das relações sociais. Ele não quer que seja imediatamente entendido porque tem medo de conflito. Hegel quer que o seu discurso pareça ambíguo, vago, indefinido. Matéria para especialistas, não como em Paulo de Tarso que diz:
"Todos devem sujeitar-se às autoridades superiores; uma vez que não há autoridade que não venha de Deus, e aquelas que existem foram por ele estabelecidas. Portanto, aquele que se rebela contra a autoridade está se colocando contra o que Deus instituiu; e aqueles que assim procedem trazem a condenação sobre si mesmos. Os magistrados não devem ser temidos por suas boas ações, a não ser os que praticam o mal. Tu não queres temer a autoridade? Pratique o bem e ela o enaltecerá. Pois ela é serva de Deus para o seu bem. Mas se tu praticas o mal, tenha medo; pois ela não porta a espada sem motivo: é de fato ministra de Deus, executora da justiça para punir a quem pratica o mal. É necessário que sejamos submissos às autoridades, não apenas pela possibilidade de uma punição, mas antes por um motivo de consciência. É por isso, também, que pagas impostos: porque as autoridades são funcionários públicos e estão a serviço de Deus, sempre inteiramente dedicadas a esse trabalho. Dá a cada um o que lhe é devido: se imposto, imposto; se tributo, tributo; se temor, temor; a quem reverência, reverência; se a honra, honra."
Paulo de Tarso, carta aos romanos 13, 1 - 7
A submissão ao "senhor" está clara, literal. Hegel deve ir buscar esta clareza, este imediato, e justificá-lo como "estratégia social de existência do espírito". Para garantir uma ambiguidade maior no seu conceito, Hegel introduz a relação do sujeito humano com a "coisa". O que é a "coisa" na Fenomenologia do espírito? Já encontramos o conceito, segundo o qual, a "coisa" é o Deus cristão: sujeito, objeto e ação que se soluciona em si mesmo e que se torna objeto e sujeito do espírito, que se separa do espírito universal particularizando-se. Na Fenomenologia do Espírito, Hegel vai além. A coisa se particulariza da "Coisa" e se torna objeto em si mesma, um tipo de unidade absoluta entre início, meio e fim que o indivíduo reassume, as circunstâncias nas quais vive e a sua realidade. Em outras palavras, Deus com o qual o indivíduo entra em relacionamento por meio do espírito (que é Deus, o Uno como descrito na última parte do Parmênides de Platão e intermediado pela ideia do Uno de Plotino, que pela sua vez é "uma parte de Deus" que anima o seu corpo.
Hegel, como Paulo de Tarso, eleva Deus "à Coisa", como mandante, na sua qualidade de criador da hierarquia social, do relacionamento entre patrão e servo onde tanto o patrão como o servo do patrão cada um se mantém no seu dever da sua função, que lhe é imposta, eles têm relações com a "coisa", que é Deus. A "coisa", Deus, garante o direito do patrão em ser patrão, senhor, e ao servo garante o direito de ser servo, escravo.
É de se recordar que "Fenomenologia do espírito" teve a publicação em 1807. A sua redação foi iniciada ano antes, como reação ideológica de Hegel aos princípios de igualdade da Revolução Francesa.
Hegel escreve:
3. Senhorio e servidão.
O senhor [o patrão]. O seu relacionamento duplo e em direção à coisa [Deus] e em direção ao servo [o escravo]
O senhor é a consciência que é por si mesma. Não se trata somente do conceito da consciência que é por si mesma, senão da consciência que é em si, porque mediata com si de uma outra consciência; e à essência desta outra consciência pertence o ser, sintetizada com um ser autônomo, isto é com a instrumentalidade em geral. O senhor se relaciona nestes dois momentos: a uma coisa enquanto tal, isto é ao objeto do desejo, e à autoconsciência com que o instrumento é essencial. O senhor se relaciona (a) imediatamente em ambos os momentos e (b) mediatamente a qualquer destes através do outro, enquanto ele mesmo entretanto está num tempo: a) conceito de autoconsciência, e por isso relação imediata do ser-para-si; b) mediação, isto é ser-para-si que é para si somente mediante um outro. O senhor se relaciona, portanto, mediatamente com o servo através do ser autônomo. O servo, de fato, está precisamente vinculado a este ser, do qual não pode abstrair no decorrer da luta e que agora constitui a sua corrente: ele se revelou não-autônomo exatamente porque quis ter a sua autonomia própria na instrumentalidade. O senhor, ao invés, tendo demonstrado na luta considerar o ser autônomo, apenas como um negativo, é a potência que domina sobre esse ser. Agora, visto que o senhor domina sobre este ser, e este ser é por sua vez a potência que domina sobre o outro, isto é sobre o servo, eis que a conclusão deste silogismo é: o senhor domina sobre este outro. Paralelamente, o senhor se relaciona mediatamente com a coisa através do servo. Também o servo, efetivamente, enquanto é autoconsciência no geral, se relaciona negativamente com a coisa e a remove, para ele, todavia, a coisa é a um tempo autônoma, e ele portanto, também negando-a não pode aniquilá-la do todo: o servo pode somente elaborar a coisa, transformá-la com o trabalho próprio. Em virtude desta mediação do servo, em contrapartida, o relacionamento imediato torna-se para o senhor a negação pura da coisa, isto é torna-se o prazer; e o que não conseguiu com o desejo - aniquilar a coisa e satisfazer-se com o desfrute - consegue agora no prazer do senhor. O fracasso do desejo era devido à autonomia da coisa; agora, ao contrário, inserindo o servo entre a coisa e a si mesmo, o senhor conclui-se em silogismo somente com a não autonomia da coisa, e portanto a desfruta em estado puro. O lado da autonomia da coisa ele deixa ao trabalho do servo. Nestes dois momentos, para o senhor vem se atuando o seu ser reconhecido por parte de uma outra consciência. Esta outra consciência, de fato, se posiciona como não essencial, uma vez que está na elaboração da coisa, e uma outra vez na dependência de uma determinada existência. Em nenhum dos dois momentos, portanto, esta consciência pode dominar sobre ser e alcançar a negação absoluta. Aqui, portanto, é aquele dado momento do reconhecimento em que a outra consciência remove a si mesma como sendo o ser para si mesma, e faz a mesma coisa da primeira consciência faz em relação a ela. Em um determinado tempo, há também um outro momento, isto é aquele em que o exercer da segunda consciência é exatamente o realizar da primeira: é isto que o servo faz, de fato, é precisamente o exercer do senhor. O senhor é apenas o senhor-para-si, a essência, a pura potência negativa aos olhos da qual a coisa não é nada, e portanto o seu fazer é um fazer puro e essencial dentro deste relacionamento; o fazer do servo, ao invés, não é puro, mas é não essencial. Pelo reconhecimento verdadeiro e exato, todavia, falta o momento em que aquilo que o senhor faz rumo ao outro, também o faz em direção de si mesmo, e aquilo que o servo faz em direção de si mesmo, também o faz em direção ao outro. Faltando este momento, pois,. surgiu um reconhecimento unilateral e desigual. Para o senhor, de tal modo, a consciência não-essencial é o objeto que constitui a verdade da certeza de si mesmo. Está claro, porém, que este objeto não corresponde de fato ao seu conceito. Precisamente quando o senhor se realiza totalmente como senhor, ele vê diante de si qualquer coisa no outro de uma consciência autônoma, mas ao contrário uma consciência não-autônoma. O senhor portanto não é certamente o ser-para-si como verdade, ao contrário: a sua verdade é a consciência não-essencial e o fazer não-essencial desta consciência. Como consequência, a verdade da consciência autônoma é a consciência servil. Evidentemente, esta parece inicialmente fora de si e não como a verdade da autoconsciência. Contudo, como o senhorio mostrou, a sua essência é justamente o inverso daquilo que o próprio senhorio, em si, quer ser, deste modo, inclusive a servidão, uma vez consumada, se tornará o contrário daquilo que é imediatamente. Assim, retornada em seu interior como autoconsciência afastada dentro de si, a servidão se transformará então no seu avesso, e se tornará a verdadeira autonomia.'
Hegel, Fenomenologia do espírito, Rusconi, 1995, p. 283 - 287
O assistente, para Hegel, é "pessoa ou Ente existente e vivente". O patrão, para Hegel, é aquele que "vive por si". Este viver para si é mediato de uma outra consciência, Deus, que por sua vez vive por si e que determinou o papel do patrão para que pudesse viver por si.
O patrão se relaciona com o seu desejo particular e com a "instrumentalidade" ("cosalità" - original em italiano), isto é o todo absoluto, Deus, que se torna a sua autoconsciência essencial.
O patrão, o rei, para Hegel, se relaciona com dois momentos. Com o conceito de autoconsciência, que justifica o seu ser patrão, num mundo de servos e em relacionamento imediato com "o ser em si", que é ele mesmo, que é confirmado por outros que não são seres em si, mas seres para ele.
O patrão, o senhor, o rei, está em relacionamento direto com a "Coisa", Deus, que lhe determina o papel que, por sua vez, é legitimado pelas mediações com outros.
Outros que são destinados pela "coisa" a não viverem em si e para si.
O patrão se relaciona com o servo mediante uma autonomia sua proveniente da "Coisa". O servo não se relaciona com a "Coisa", pode somente obedecer a "Coisa", vivendo o seu papel de servo dependendo do patrão. O servo elabora a "Coisa" mediante o seu trabalho próprio que está a serviço do senhor, o patrão, que é aquele que vive em si e para si e que tem uma relação direta com a "Coisa", Deus.
Hegel nada mais faz senão tentar novamente legitimar conforme a Revolução Francesa, cortando a cabeça do rei, que só era rei por vontade de Deus, removendo-a da sociedade civil.
Hegel recorda o evangelho em que Jesus diria "não faças aos outros aquilo que não queres que os outros façam a ti", que traduzido pragmaticamente significa que Jesus disse "Não faças a Jesus aquilo que não queres que Jesus faça para ti", e apressa em acrescentar que aquilo que o patrão faz em direção à outra pessoa, assim o faz também a si mesmo, e o que o servo faz contra ele mesmo "está fazendo inclusive contra outro". Mas quem é o outro nisto? O patrão ou um outro servo? Como é ambígua a frase de Jesus nos evangelhos que aliena a si mesmo da massa reduzida a ovelhas do seu rebanho, do mesmo modo é ambígua a frase de Hegel, porque Hegel alienou o patrão da massa dos servos porquanto alienou a vontade de Deus da possibilidade da intervenção do homem. Como os homens, segundo o evangelho cristão, não modificam Jesus, assim os servos não modificam o patrão que está em relação com Deus.
O que não é essencial para o patrão? Deus!
Para o patrão o não essencial é "o objeto que constitui a verdade da certeza de si mesmo", do momento em que ele vive em si e para si. Deus se torna redundante em si e, portanto, não essencial ao próprio ser patrão. Ele, portanto, enquanto patrão é autônomo de Deus, sendo ele mesmo Deus ao ser patrão.
Hegel se precipita em dizer que o patrão não é evidentemente o ser-para-si como verdade e por isso deve exercer a própria violência sobre o servo porque a consciência do patrão é não essencial na consciência universal, a Coisa, o espírito universal, a alma universal, Deus.
Hegel afirma a consciência verdadeira autônoma do patrão é a consciência servil. Servil em comparação a quem? Não certamente em relação ao indivíduo reduzido a servo. É servil em comparação à "Coisa", Deus, às condições que impuseram-lhe ser patrão dos indivíduos reduzidos a servos. O patrão é o "servo dos servos", conforme diz o chefe da igreja católica, porque serve a ordem de Deus para reduzir os homens a escravos.
Neste contexto, a servidão entra na consciência do patrão e o transforma no preciso avesso, no inverso, o patrão dos homens é o servo de Deus. Por conseguinte, segundo Hegel, o patrão dos homens é tal porque é servo de Deus. A sua alma servil lhe impõe para obedecer a Deus e para transformar os homens em seus servos em nome do seu patrão: Deus.
Hegel escreve:
*O servo. O medo da morte e o serviço, o trabalho e a autonomia verdadeira*
' Até aqui temos visto a servidão tão-somente em relação ao senhorio. Visto que, contudo, é também esta autoconsciência, agora é preciso considerar a servidão da maneira como ela é em si e para si. Para a servidão, inicialmente, a essência é o senhor. Aos seus olhos, pois, a verdade é a consciência autônoma sendo ela por si mesma, mas tal verdade, para a servidão, ainda não é a servidão nela mesma. Com efeito, ao invés, a servidão tem em si mesma a verdade da pura negatividade e do ser-para-si, porquanto realizou em si a experiência desta essência. Em outras palavras, tal consciência não tremeu por esta ou por aquela circunstância, nem neste ou naquele instante: ela experimentou angústia perante à totalidade da própria essência porque teve medo da morte, isto é do senhor absoluto. Nesta aflição, a consciência foi intimamente dissolvida, tremeu até o seu recesso mais remoto, e tudo o que havia nela de fixo foi abalado. Este movimento puro universal, este absoluto vir fluido de cada subsistência, todavia, é justamente a essência simples da autoconsciência, a negatividade absoluta, o puro ser-por-si: aqui está porque a consciência servil tem tudo disso em si mesma. Por outro lado, como já vimos, o momento do puro ser-para-si está também para a mesma consciência servil, porque esta o tem como objeto no senhor. A consciência servil, além disso, não é apenas dissolução universal no geral, mas o é realmente também., enquanto o seu serviço consuma efetivamente tal dissolução. O servo remove em todos os momentos particulares a própria ligação com a existência natural, e, trabalhando-a, transforma-a eliminando-a. O sentimento da potência absoluta geralmente, e singularmente, o sentimento do serviço é antes somente a dissolução em si. Mesmo se o medo diante do senhor constitui o início da sabedoria, a consciência está aqui para ela mesma, mas ainda não é o ser-para-si. Na realidade, a consciência alcança a si mesma por meio do trabalho. No momento correspondente ao desejo na consciência do senhor, parecia que à consciência servil cabia o lado do relacionamento não-essencial rumo à coisa, desde que em tal relacionamento a coisa mantém a própria autonomia. O desejo está reservado a pura negação do objeto, e portanto a integridade do sentimento de si. Todavia, faltando-lhe o lado objetivo, isto é a subsistência, esta satisfação é, inclusive ela. apenas um afastamento. O trabalho, ao contrário, é desejo mantido controlado, é um afugentamento retido, e isto significa: o trabalho-forma cultivado. O relacionamento negativo direcionado ao objeto se torna, agora, forma do objeto em si mesmo, e se torna alguma coisa de permanente, precisamente porque o objeto tem autonomia aos olhos de quem o elabora. Este término médio negativo, isto é a atividade formadora constitui ao mesmo tempo a singularidade, o puro ser-por-si da consciência com o trabalho, a consciência sai fora de si para passar ao elemento de permanência. De tal modo, consequentemente, a consciência que trabalha atinge o intuir do ser autônomo como sendo ela mesma. A atividade formadora, de qualquer maneira, não tem apenas este significado positivo com o qual a consciência servil, enquanto puro ser-para-si, torna-se aqui assistente para si mesma. O formar tem também um significado negativo ao que diz respeito ao primeiro momento, o momento do medo. Com efeito, formando a coisa, a consciência vê tornar-se o seu objeto a própria negatividade, o próprio ser-para-si, somente porque ela remove a forma assistente oposta. Agora, este negativo objetivo é exatamente aquela essência estranha diante da qual a consciência servil tremeu, agora, ao contrário, a consciência destrói tal negativo estranho, coloca a si mesma como negativo permanente e torna-se, portanto, para ela mesma, um assistente-para-si.'
Hegel, Fenomenologia do espírito, Rusconi, 1995, p. 287 - 289
Qual coisa "torna consciente" a servidão pela necessidade dela mesma? Em que coisa o servo se diferencia do patrão? Porque a servidão, segundo Hegel, tem "efetivamente, ao contrário, em si mesma a verdade da pura negatividade e do "ser-para-si, na medida em que conseguiu em si experiência desta essência".
A verdade da pura negatividade. Qual coisa o servo nega a si mesmo que, ao contrário, o patrão não nega? O servo nega o próprio ser no mundo e ao negar o próprio ser no mundo cria a dependência entre si e o patrão que, não negando o próprio ser no mundo, age no mundo servindo-se do servo.
A pergunta a ser feita a Hegel é esta: o servo pôde escolher? Não, responde Hegel, é Deus quem escolheu o papel do servo e o papel do patrão.
Paulo de Tarso escreve:
"Os escravos são submissos aos seus patrões em tudo: buscam dar-lhes prazer, não os contradizem, não os fraudam, comportam-se sempre com fidelidade perfeita, para em tudo honrarem a doutrina de Deus, nosso salvador."
Paulo de Tarso, Carta a Tito 2, 9
E ainda:
"Vós servos obedecei em tudo aos vossos senhores segundo a carne, não servindo só na aparência, como para agradar aos homens, mas com sinceridade de coração, temendo o Senhor. E tudo o que fizerdes fazei-o de todo o coração, como ao Senhor e não aos homens, sabendo que recebereis como recompensa a herança das próprias mãos de Deus. É a Cristo, o Senhor, que servis. Mas, quem cometer injustiça, receberá o agravo que fizer, pois não há aceitação das pessoas."
Paulo de Tarso, Carta aos Colossenses 3, 22-25
Hegel justifica a submissão pelo medo da morte. O escravo tem medo de morrer, vive na angústia. Na angústia que lhe foi imposta, a consciência do escravo foi intimamente dissolvida. Ela foi forçada, mediante a violência, a tremer e a temer o seu agir no mundo, porque as respostas que recebia do mundo, por ordem do patrão, era a dor deprimente que se transformava em angústia. Esta violência absoluta que Hegel chama "puro movimento universal" obriga o sujeito a negar a si mesmo. O sujeito nega o "puro ser-para-si" e a "consciência servil tem tudo isto em si mesma".
Segundo Hegel, o sentimento do "serviço" é a dissolução de si. Uma dissolução que o servo vive por necessidade para proteger a própria sobrevivência, enquanto o patrão põe em prática o serviço em relação ao si mesmo, honrando a Coisa, Deus, com o qual se identifica como projeção de si mesmo num absoluto que justifica o seu ser patrão.
Também o patrão, reduzido a servo de Deus, anula a si mesmo em Deus. Mas, Deus é a projeção delirante do patrão enquanto o patrão é objeto material que domina a materialidade do servo.
Hegel, em vez de reconhecer a violência e os seus efeitos, afirma que o medo induzido no servo perante o patrão constitui "o início da sabedoria" e a escravidão do trabalho, imposta ao servo, permite ao servo obter a consciência através da escravidão do trabalho ao qual é coagido.
Do mesmo modo, o patrão se faz servo em relação a Deus e serve Deus anulando-se porque isto lhe permite ser patrão de servos em nome de Deus. O Deus cristão que aterroriza todos os patrões para que sejam os seus servos. A morte não aterroriza os servos coagidos a obedecer porque são oprimidos pela dor, mas aterroriza os patrões, servos de Deus, porque morrendo não dispõem mais dos servos.
Hegel escreve:
'No senhor, o ser-para-si aparece à consciência servil como algo do outro, ou seja está somente para ela; no medo, o ser-para-si está na referida consciência; na atividade formadora, enfim, dele se torna o ser-para-si próprio da e para a consciência, que atinge assim a conscientização de ser em si e para si. De conseguinte, aos olhos da consciência, a forma colocada na exterioridade não se torna absolutamente um outro dela; esta forma, de fato, é justamente o puro ser-para-si em que a consciência vê constituir-se a própria verdade. No trabalho, deste modo, no qual ela parecia ser somente uma senso estranho, a consciência reencontra-se através dela mesma e torna-se sensação própria. Para que obtenha esta reflexão, são necessários ambos os momentos na universalidade deles, e a saber: (a) o medo e o serviço no geral, e (b) a atividade formadora. Sem o enquadramento do serviço e da obediência, o medo permanece somente formal e não se derrama sobre a existência real consciente. Sem a atividade formadora, o medo permanece interior e muda, e a consciência não se torna para si mesma. Além disso, se a consciência faz formar sem antes ter provado aquele medo absoluto, então o seu senso próprio permanece em vão. Em tal caso, efetivamente, a sua forma, isto é a sua negatividade, não é a negatividade em si, e a sua atividade não pode, portanto, proporcionar-lhe a consciência de si como essência. Por fim, se a consciência não sofreu o medo absoluto, mas somente alguma angústia particular, então a essência negativa permaneceu-lhe somente no exterior e não impregnou intimamente a sua substância, Se nenhum elemento vacilou em preencher a consciência natural, então essa consciência faz parte ainda, em si, ao ser determinado, e o senso próprio é obstinação, isto é liberdade ainda seduzida na servidão. No caso de obstinação, a forma pura não pode tornar-se essência, nem muito menos, considerada como expansão que ultrapassa a singularidade, pode ser formação universal. Conceito absoluto; na obstinação a forma é no máximo uma habilidade particular que tem poder apenas sobre alguma coisa de singular, mas não sobrea potência universal e sobre a essência objetiva inteira.'
Hegel, Fenomenologia do espírito, Rusconi, 1995, p. 289 - 290
Para que alcance a necessidade social na relação entre patrão e servo, é necessária a difusão do medo, a submissão e a atividade que alimente a servidão como disciplina e serviço de obediência.
A atividade de violência com a qual obter disciplina e obediência é o verdadeiro escopo da inteira filosofia de Hegel. O seu projeto filosófico como base da "Fenomenologia do espírito".
A ideia do Estado como patrão dos cidadãos e como deve administrar as instâncias provenientes do mundo, para reforçar o seu domínio, está bem presente na "Fenomenologia do espírito". As instâncias populares são definidas "sofismas" e o Estado "autoconsciência" que tem "certeza da sua liberdade" que é "liberdade para dominar".
Hegel escreve:
'A dialética, enquanto movimento que no seu imediatismo é negativo, aparece inicialmente à consciência como alguma coisa de estranha, coisa da qual ela é uma presa. Sendo que o Ceticismo, ao invés, é este movimento que é um momento da autoconsciência. Aqui não mais acontece que a autoconsciência, sem nem sequer saber como, veja desaparecer algo que ela considera verdadeiro e real; agora na certeza da sua liberdade é relativamente a mesma autoconsciência a deixar desaparecer este outro que se oferece com real. A autoconsciência deixa desaparecer não só a objetividade, enquanto tal, mas também o seu comportamento rumo à objetividade referida em que o comportamento desta última vale e se deixa valer, exatamente, como objetividade. Agora, portanto, a autoconsciência deixa desaparecer também a sua própria percepção como puros os sofismas com que habitualmente solidifica aquilo que ela teme perder, isto é, o verdadeiro determinado e estabelecido dela mesma. Em virtude de tal negação autoconsciente, a autoconsciência se arranja com ela mesma na certeza da sua própria liberdade, produzindo a experiência e eleva à verdade, assim, esta certeza.'
Hegel, Fenomenologia do espírito, Rusconi, 1995, p. 301
Em 1808, no final de outubro, o amigo Niethammer constituído conselheiro central em Mônaco, para instrução, comunica-lhe a nomeação de professor de ciências propedêuticas filosóficas, e diretor de um instituto em Nuremberg. Hegel deixa Bamberga por Nuremberg.
Em 1809 inicia o ensinamento ginasial em Nuremberg. Os manuscritos das lições serão publicados em 1840 com o título "Propedêutica filosófica".
Em 1811 ele se casa com Marie von Tucher, uma jovem de 22 anos pertencente a uma família nobre de Nuremberg. Hegel passou dos quarenta anos. Dela Hegel terá dois filhos, Karl (1813-1901) e Immanuel (1814-1891).
Em 1812 Hegel publica o primeiro volume de "Ciência da lógica". O segundo tomo e o segundo volume serão publicados em 1813 e 1816.
Em 1813 se torna também superintendente das escolas elementares de Nuremberg.
Em 1816 se torna professor de filosofia junto à universidade de Heidelberg. Nesse mesmo ano começa a lecionar.
Em 1817 Hegel aceita na família o filho Ludwig fruto da relação com Cristiane falecida, então, havia pouco tempo. Em Heidelberg, com o cargo de co-redator dos "Annali" da universidade rejeita um artigo de H.E.G. Paulus, velho amigo seu, sobre conflito constitucional em Wurttemberg. Hegel mesmo escreve um texto sobre o mesmo argumento com o título "Avaliação dos atos de imprensa da Assembleia dos deputados do reino de Wurttemberg nos anos de 1815 e 1816"
Nesse escrito Hegel tomará as defesas do rei contra as instâncias de liberdade dos estados em geral. Deste momento os liberais lhe serão hostis, mas não o rei.
Publica tanto uma opinião sobre Jacobi (terceiro volume das obras de Jacobi) quanto "A enciclopédia das ciências filosóficas". Encontra o filósofo francês Victor Cousin com quem será amigo.
Um dos textos fundamentais de Hegel, reproduzidos também na Enciclopédia das ciências filosóficas, é o conceito segundo o qual o Ser Absoluto, Deus dos cristãos, é Nada. Em suma, Deus coincide com o nada. Esta afirmação, que fica em pé de igualdade com a afirmação segundo a qual "Deus existe", abre muitas implicações no desenvolvimento de um discurso lógico.
Hegel toma esta ideia da última parte do discurso de Parmênides no Parmênides de Platão e associa esta ideia à condição dos viventes da Natureza, segundo a qual cada Ser da Natureza morrendo torna-se o nada. Para confirmar esta sua afirmação usa também a ideia budista da anulação como o fim da existência.
Hegel escreve:
a) Ser
'86. O puro ser forma o começo, porque ele é, então, puro pensamento, como se, juntos, o elemento imediato simples e indeterminado; o primeiro início não pode ser nada de imediato e mais particularmente determinado. Todas as dúvidas e objeções, que podem ser feitas contra o iniciar do conhecimento do ser abstrato e vazio, são eliminadas mediante a simples consciência daquilo que importa à natureza do começo. O ser pode ser determinado como eu = eu, como a absoluta indiferença ou identidade, etc. ? Na necessidade de começar, ou de alguma coisa totalmente certa, isto é, pela certeza de si mesmo, ou seja, de uma definição ou intuição da verdade absoluta, estas e outras formas similares podem ser consideradas como se deviam ser as primeiras. Mas, uma vez que no interior de cada uma destas formas já se encontra a mediação, elas não são verdadeiramente as primeiras: a mediação implica que partiu-se de um primeiro rumo a um segundo e retornar a si pelas diferenças. Quando, verdadeiramente, se toma apenas o primeiro, o eu = eu, ou também a intuição intelectual, neste imediatismo não há outro senão o ser; como, reciprocamente, o puro ser. enquanto não é mais este ser abstrato, mas aquele que contém em si a mediação, é puro pensamento ou intuição Se o ser vem enunciado como predicado do absoluto obtém-se a primeira definição disto: o absoluto é o ser. E é, no pensamento, a definição rudimentar, a mais abstrata e a mais pobre. É a definição dos "Eleati" (?) e juntamente com aquele ditado conhecido de que Deus é o complexo de todas as realidades. Vale dizer que, deve se abstrair desta limitação, que está em cada realidade, de modo que Deus seja somente o real em cada realidade, o realíssimo. E, uma vez que a realidade já contém uma reflexão, o supramencionado pensamento é mais imediatamente expresso naquilo que Jacobi diz do Deus de Spinoza: que seja o princípio do ser em cada existência. 87. Neste momento, este puro ser é a pura abstração, e, consequentemente, é o absolutamente negativo, o qual, tomado inclusive imediatamente, é o ninguém. 1) Disto segue que a segunda definição do absoluto: que este o ninguém. Da qual a definição, para o outro, já está contida na afirmação: que a coisa em si mesma é o indeterminado, é isto que está de fato isento de forma e, portanto, de conteúdo; ou também quando se diz que, Deus é a suma essência e nada mais, porque como tal ele é definido precisamente como tal negatividade: e a referida abstração é o ninguém, que os Budistas fazem-no de princípio, como também último escopo e meio de tudo.'
Hegel, Enciclopédia das ciências filosóficas, Laterza, 1989, p. 101 - 102
É a necessidade de Hegel de reafirmar a criação de Deus. Todo o cristianismo está regido sobre "vontade do início", sobre a palavra, o verbo que cria o mundo. Uma palavra, um verbo, um pronunciado de Deus que, segundo o cristianismo, sempre existiu. O sempre do Deus dos cristãos não é somente uma extensão temporal, mas é o absoluto, o Uno, do qual emana do nada a criação. A criação do nada é o início. Se há uma ideia de criação como transformação de qualquer coisa que a precedeu, mesmo se comumente chamam-no criação, não é uma criação mas uma transformação de condições precedentes (É panteísmo, diz Hegel)
Tecnicamente as criações do Antigo Egito não são criações, mas transformações de um presente que era percebido como "caos" da razão. Do Caos é gerada uma ordem de um vir a ser, e essa ordem pode ser definida como criação de uma realidade percebida, mas não pertence ao delírio cristão que, por criação, compreende somente o que brota do nada por obra do seu Deus.
O Deus dos cristãos é entendido como o "puro ser" ou "puro pensamento" ou "pura intuição". Como Hegel pode imaginar um "ser criador" e defini-lo "puro ser", "puro pensamento" ou "pura intuição"? Fazer esta afirmação significa tornar-se, no mínimo, ridículo. Uma afirmação que não suporta argumentações, é pura suposição. De fato, pode-se verificar: onde nasce em Hegel a convicção que existe um "ser criador" e que isto tenha as características que nós imaginamos como "puro ser", "puro pensamento" ou "pura intuição"? Deveria ser, no mínimo, argumentado, uma vez que estas especulações estão privadas de demonstrações, e ele, Hegel, prossegue com um raciocínio lógico como se essas ilações, que ele fez, tivesse algum fundamento racional.
Este desejo de que possa, de algum modo, existir um absoluto, com o qual há possibilidade de identificar-se, invalida inteiramente a filosofia de Hegel, tornando-se pura suposição, especialmente se tomarmos consciência de que o absoluto, entendido por Hegel, nada mais é senão o patrão absoluto, o monarca absoluto, a situação social vivida por Hegel e à qual Hegel quer prestar homenagem com uma atitude de um servilismo esperançoso.
Hegel continua, ao diz respeito ao seu Ser absoluto, afirmando que apanhado imediatamente, o Ser absoluto é ninguém. O Ser absoluto é o nada.
Com esta afirmação, Hegel pega emprestado a última parte do Parmênides de Platão, em que Platão na contradição entre os Outros e o Uno afirma (depois de ter afirmado também outras coisas, e em oposição a esta) que quando há o Todo, o Uno, os Outros não são, e quando são os Outros o Uno, o Todo não é.
Nesta afirmação do Parmênides, Platão acha absurda a presença de outros distintos do Todo. Se é o Todo, o Uno, Deus, nenhuma coisa pode ser distinta dele, mas se há os outros, distintos do hipotético Uno, Todo, está evidente que não se pode falar do Todo, do Uno, porque isto, desde que existisse, seria dividido em cada "Outros" individual.
Disto, o mecanismo para que os outros, nós mesmos, possamos existir como consciências, então é necessário que a consciência do Todo, do Uno, não exista enquanto, a edificação dos outros, implica numa separação do todo que agora, não é mais o todo, mas um conjunto de outros.
Com esta lógica, se a vida existe demonstra que Deus, como concebido pelos cristãos, não existe. Se a vida não existe, então pode ser que o Todo, Deus, possa existir, mas a nós isto não interessa porque não existimos.
Hegel escreve:
'2) Quando a antítese está expressa neste imediatismo como o de ser e de nenhum, muito extravagante, afigura-se a sua nulidade, porque não se deve tentar fixar o ser e garanti-lo contra o processo ulterior. A reflexão põe-se então à busca de uma determinação precisa, por meio da qual o ser possa ser distinto do nada. E o ser é considerado, por exemplo, como algo que perdura em cada alteração, a matéria infinitamente determinável, etc., ou também, sem alguma reflexão, uma existência singular qualquer, o primeiro fato sensível ou espiritual que se tem à mão. A menos que todas essas determinações ulteriores, e mais concretas, não nos dão mais o ser como puro ser, o qual está aqui imediatamente no começo. Nesta pura indeterminação, e somente por esta, ele é nada, algo de inefável, cuja diferença do nenhum é uma mera intenção. Isto que ocorre, é somente para adquirir consciência clara de tais princípios: quer dizer, que estes não são senão dessas abstrações vazias, e qualquer das duas, tanto a vazia quanto a outra: a tendência de encontrar no ser, ou em ambos, um significado determinado, é a mesma necessidade que faz com que o ser e o nada avancem para mais adiante, e lhes confere um significado verdadeiro, ou seja concreto. Este ir além de, é o desenvolvimento lógico e é o processo que irá se expor na discussão que segue. A reflexão que encontra para o ser e para o nada de determinações mais profundas, é o pensamento lógico, por meio do qual estas determinações se produzem de um modo que já não é acidental, mas necessário - cada significado que os mesmos adquirem posteriormente, é portanto, para ser levado em consideração apenas como uma determinação mais precisa e uma definição mais verdadeira do absoluto: uma coisa deste tipo não é mais uma abstração vazia como o ser e ninguém, mas antes coisa nenhuma de concreto, em que ambos, ser e ninguém, são momentos. - A mais alta forma do ninguém para si seria a liberdade ; mas esta é a negatividade enquanto se aprofunda em si . Parágrafo 88. Reciprocamente, o nada, considerado neste imediato igual a si mesmo, é o mesmo que o ser. A verdade do ser como do ninguém é portanto a unidade de ambos. Esta unidade é o tornar-se. 1) A proposição: o ser e o nada são o mesmo, parece à consciência representativa, ou ao intelecto, deste modo paradoxal, que talvez não a considera como dita com seriedade. E, de fato, é esta uma das mais ásperas tarefas do pensamento, porque ser e nada constituem a antítese em toda a sua imediação, sem que no uno já seja colocada uma determinação, que é justamente a mesma em ambos. A dedução da unidade deles é pois de toda analítica : como o proceder da filosofia, sendo metódico ou seja necessário, não é outra coisa senão o pôr explicitamente aquilo que já está contido num conceito. - Mas não menos exato da unidade do ser e do nada, é também a afirmação de que eles são de fato diversos: - o uno não é nada do que é o outro. Se não que, não estando aqui a diferença ainda determinada, - que o ser o ninguém ainda são o imediato , - ela permanece conforme é neles, o inefável, a simples intenção'.
Hegel, Enciclopédia das ciências filosóficas, Laterza, 1989, p. 102 - 104
Entre o Ser e o nada há a mudança. O Ser entendido como cada Ser, isto é como cada consciência em si no mundo, segue um trajeto de mudanças contínuas, mutações contínuas que no mundo da forma e da razão estão sob a ideia de tempo. O tempo é a medida da mutação, da transformação. Cada Ser, qualquer Ser, do qual podemos ter conhecimento, muda e se transforma, depois de ter vindo a ser de uma precedente desagregação. Inevitavelmente, qualquer que seja a sequência das suas transformações, cada Ser tende à desagregação. A desagregação transforma aquele conjunto consciente que nós identificávamos como Ser em "um nada daquilo que ele era". Nas duas dimensões, seja na consciência de si de que age no mundo, seja no nada em que aquela consciência se realizou desagregando-se está sempre a mesma entidade que passa do estado de conscientização para o nada da conscientização: O Ser é o nada.
Para que isto possa ocorrer é necessária a noção de tempo entendido como transformação. Disto segue que cada sujeito existente no mundo tende ao nada. No Parmênides são os "outros" que constroem o Todo, mas o Todo, entendido como consciência de tudo, que inclui tudo, e que está nela mesma nesse tudo, tem somente uma possibilidade de transformação e é a anulação dela mesma. O Todo, Deus, pode pode pôr em prática só o movimento que o conduz do ser ao não-ser. Que o transforma em nada. Por conseguinte, o Deus dos cristãos, hoje, é nada.
O paradoxo na ideologia de Hegel é afirmar Deus, em vez de afirmar que Deus é nada.
Hegel escreve:
'2) Não é necessário um grande gasto de espírito para cair no ridículo a proposição de que o ser e o nada são o mesmo, ou para alegar uma série de absurdos, afirmando falsamente que são consequências e aplicações do que é dito, por exe., que, segundo esse, é todo uno que a minha casa, as minhas substâncias, o ar que se respira, esta cidade, o sol, o direito, o espírito, Deus, são ou não são. Em tais exemplos, por um lado são introduzidos furtivamente fins particulares, a utilidade que qualquer coisa tem para mim; e depois é indagado se para mim se é indiferente para mim que a coisa útil seja ou não seja. Na verdade, a filosofia é precisamente aquela doutrina, que libera o homem de uma multidão infinita e alvos finitos, e assim é feito no sentido de ele ser indiferente, de modo que para ele é o mesmo que aquelas coisas são ou não são. Mas, no geral, quando o discurso diz respeito a um conteúdo, é feita uma conexão deste com outras existências, com outros escopos, etc., que são pressupostos válidos; e de tais pressupostos depende disto se o ser ou o não ser de um determinado conteúdo é ou não é o mesmo. Nestes casos, há a substituição de uma diferença, plena de conteúdo, pela diferença vazia de ser e de ninguém. - Por outro lado, trata-se de escopos essenciais de existências absolutas e ideias, que são colocadas sob a determinação do ser ou do não ser. Tais objetos concretos são alguma coisa de bem diferente e não de um simples ser e não ser. Abstrações pobres, como ser e nenhum, - as mais pobres que jamais podem se dar, desde que são apenas as determinações iniciais, - mostram-se totalmente inadequadas à natureza daqueles objetos: o conteúdo verdadeiro está bastante além destas abstrações e das suas antíteses. Sempre que no geral alguma coisa de concreto foi substituído ao ser ou ao nada, a irreflexão implica em seguida num hábito seu: toma uma coisa de fato diferente e a ela se refere como se fosse aquela da qual se discorre; - e aqui se discorre ao invés apenas do ser e de nada de abstratos. 3) É fácil dizer que não se consegue compreender a unidade do ser e do nada. Mas, o conceito dessa unidade foi exposto nos parágrafos precedentes, e outra coisa não é senão tal como foi exposto: compreendê-lo não significa outra coisa senão conceber o que já foi dito. Exceto que, para compreender, diz-se entender alguma coisa a mais daquilo que é propriamente o conceito: exige-se uma consciência mais diversificada e rica, uma representação, para que desse conceito seja colocado ante um fato concreto , com o qual pensamento, no seu exercício ordinário, tenha uma familiaridade maior. Dado que o não poder compreender manifestas apenas a falta de hábito para definir conceitos abstratos, sem alguma combinação sensível, e para apreender proposições especulativas, não há outra coisa para se dizer senão que o modo do saber filosófico certamente é diferente do modo do saber ao qual se está habituado na vida ordinária; como também este é diferente daquele, que domina. Em outras ciências. Mas, se o não compreender significa tão-somente que a unidade do ser e do ninguém não pode ser representada, a afirmação é ao mesmo tempo pouco exata que, pelo contrário, cada um tem infinitas representações dessa unidade. Ainda que. não se tendo tal representação, pode-se desejar dizer simplesmente que o conceito apresentado não é conhecido nela, e não se conhece a representação como exemplo desse conceito. O exemplo, que se mostra mais próximo, é o tornar-se. Cada um tem uma representação do tornar-se e vai querer também admitir que é uma representação: admitir ademais, que quando a ela analisamos, parece-nos contida não somente a determinação do ser, mas também aquela que é o outro dele, do ninguém; além disso, ainda, temos que essas duas representações se encontram indivisíveis naquela única representação; então, o tornar-se é unidade do ser e do nada. - Um exemplo, igualmente ao alcance de todos, é aquele do começo: a coisa no seu começo ainda não é, mas isto não é somente o nada da coisa: já está no interior o seu ser . O começo referido também é tornar-se, e já manifesta o propósito para o processo ulterior. Poder-se-ia, para acomodar-se ao andamento mais ordinário das ciências, dar início à logica com a representação do começo meramente pensado, isto é do começo como começo, e analisar esta representação: assim talvez aceitar-se-ia mais facilmente, como sendo o resultado da análise, a afirmação de que: o ser e o nada mostram-se combinados inseparáveis num uno. 4) É ainda para se observar que a expressão: ser e nada são idênticos, ou: a unidade do ser e do nada, e igualmente todas as outras unidades símiles, do sujeito e do objeto, etc. com razão suscitam escândalo, porque se comete com eles uma distorção e uma falsidade: a unidade é colocada em relevo, e, quanto à diversidade, há sem dúvida (porque, por exemplo, o ser e o nada são aquilo de que a unidade se estabelece), mas não está expressa e reconhecida; se separa dela apenas de modo indevido; parece que não lhes dá atenção. Na realidade, com uma determinação metafísica não se pode exprimi-la exatamente na forma de uma tal proposição: a unidade deve ser apanhada na diversidade junto com o existente e colocada. O tornar-se é a verdadeira expressão do resultado de ser e nada como a unidade deles: e não é somente a unidade do ser e do nada, mas é a inquietação própria, - a unidade, que não está só, como relação em si mesma, sem movimento, mas que mediante a diversidade do ser e do nada, que está naquele, está em si contra si mesma. - O ser determinado, pelo contrário, é esta unidade, ou o tornar-se nesta forma da unidade, por isso o ser determinado é unilateral e finito. A antítese é como se estivesse desaparecida: está contida na unidade só implicitamente, mas não é colocada na unidade. 5) À proposição: que o ser é penetrado no nada e o nada é penetrado no ser, - à proposição do tornar-se - está defronte à outra: Do nada nasce nada, alguma coisa vem somente de alguma coisa: a proposição da eternidade da matéria, do panteísmo. Os antigos fizeram a simples reflexão, que a proposição: de alguma coisa nasce alguma coisa, ou do nada nasce do nada, retira, de fato, o tornar-se; dado que aquilo do qual alguma coisa se torna, e disso que se torna, são uma mesma coisa: fica só a proposição da identidade abstrata intelectual. Mas deve parecer objeto de maravilha o sentir repetir também nos nossos dias com desenvoltura, as proposições: do nada nasce nada, ou de alguma coisa somente nasce alguma coisa; sem ter consciência que eles formam o fundamento do panteísmo, e sem mostrar o saber que os antigos logo exauriram cada consideração que se possa fazer a respeito deles.
Hegel, Enciclopédia das ciências filosóficas, Laterza, 1989, p. 104 - 108
Hegel sabe perfeitamente que afirmar que o Ser, Deus, é o nada, abre caminho às críticas e às especulações, todavia Hegel usa a dialética que Platão apresenta no Parmênides, onde afirma que "quando os Outros são o Uno não existe", quando o Uno existe, os Outros não podem existir. De onde se deduz que o tempo, em que se mede as transformações dos Outros, tem uma relação com o começo das transformações dos outros se tornando constroem o Todo. o Uno, de Deus.
Hegel deve fazer uma reflexão do tipo, " que são pressupostos válidos; e de tais pressupostos depende, se o ser ou o não ser de um determinado conteúdo é ou não é o mesmo". O Ser e o nada, Deus e o não-Deus pode ser o mesmo, a mesma Autoconsciência, em ambas as condições?
Não, não podem ser. A desagregação de Deus, como de cada Ser da Natureza, coloca fim à existência, à percepção daquela Consciência. A Consciência não é mais, é nula.
A filosofia nunca refletiu sobre a implicação da afirmação segundo a qual o ser é o nada. Isto porque a ação do homem no mundo, desde que a fonte da moral, Deus, não tenha sido nem poderia ser, seguramente deveria pensar na ação do homem que, desvinculada de cada moral, só tem a tarefa de viver uma contradição uma após a outra para poder alcançar o nada da consciência corpórea.
Depois a defesa do rei feita por Hegel contra as reivindicações liberais, o barão von Stein zum Altenstein, tornou-se chefe do ministério prussiano para a instrução e os assuntos de culto, oferece a Hegel para se tornar professor de filosofia na universidade de Berlim. Hegel aceita o cargo e torna-se o filósofo oficial do Estado Prussiano.
Em 1818 Hegel entra a serviço para o Estado Prussiano e aos 22 de outubro inicia as suas aulas com a exaltação do Estado Prussiano, então deverá ter um posto relevante depois do período napoleônico, e ele exalta o papel da filosofia na formação do domínio desse Estado. Isto lhe criará os conflitos no âmbito acadêmico tanto com o jurista von Savigny quanto com Schleiermacher que, naquela época, era considerado o maior teólogo protestante depois de Lutero. Esse conflito lhe impedirá de fazer parte da Academia Prussiana das ciências.
Em 1820 Hegel faz parte da comissão que deverá decidir em conceder o ensino a Arthur Schopenhauer. Hegel é nomeado membro ordinário da "Régia comissão examinadora científica" da província de Brandeburgo. Um encargo que terá fim em 1822.
Em 1821 são publicados "Princípios da filosofia do direito". O texto levanta polêmicas porque Hegel justifica e argumenta legitimando o ordenamento estatal prussiano e os princípios da restauração do período pós-napoleônico. Neste mesmo ano, as condições de saúde da sua irmã Christiane se agravam, ela será internada em várias clínicas psiquiátricas.
Em 1822 no prefácio de uma obra de Heidelberg H.F.W. Hinrichs que é intitulada "A religião na sua íntima relação com a ciência", contesta Schleiermacher e a sua teologia do sentimento, num tom duro e talvez ressentido. No mesmo ano faz uma viagem aos países baixos.
Em 1824 faz uma viagem à Praga e à Viena.
Em 1825 Hegel expulsa de casa o filho que teve com Christiane Charlotte Fischer porque o rapaz se apropriou de uma pequena soma em dinheiro de sua propriedade. Hegel constrange o rapaz a trabalhar como vendedor em um negócio em Estugarda. Lá, depois de uma discussão com o gerente do negócio, o jovem pede demissão. Isto faz com que Hegel fique furioso impondo-lhe para não mais usar o seu nome e, assim, rompe definitivamente as relações com aquele filho. O rapaz toma o sobrenome da mãe e com o nome Ludwig Fischer se alista no exército holandês, e parte aos 29 de agosto de Ostende para Java. Em Jacarta ele virá a morrer de malária aos 28 de agosto de 1831, cerca de três meses antes de Hegel vir a morrer.
Em 1827 ele inicia a publicação dos "Anais berlinenses para a crítica científica". Na revista escrevem Goethe, os dois irmãos Humboldt, P.A. Boeckh e o arqueólogo A. Hirt. Particularmente a revista faz a revisão da obra de Wilhelm von Humboldt referente ao Bhagavad-Gita. Em agosto Hegel faz uma viagem a Paris a convite de Cousin, depois, ao retornar encontra Goethe.
Em 1828 começam as dores no peito e Hegel é obrigado a faltar às aulas.
Em 1829 Hegel dirige-se aos termas de Karlsbad onde encontra Schelling. No outono Hegel se torna reitor da universidade de Berlim iniciando com um discurso que exalta a harmonia entre a lei do Estado que submete e a liberdade acadêmica de ensino e de aprendizagem. Uma outra exaltação do Estado absolutista.
Em 1830 Hegel está como reitor junto à universidade de Berlim. Ele está horrorizado com as revoluções liberais na França e na Bélgica. Ele reprime as corporações estudantis e todas as agitações políticas dos estudantes. Hegel mantém um discurso comemorativo do terceiro centenário da Confissão de Augusta, a carta constitucional da igreja protestante. Após fica doente, mas recupera as forças para inaugurar o semestre de inverno.
Em 1831, no mês de abril, na "Gazeta do Estado Prussiano" é publicada uma parte do último escrito de Hegel sobre "Projeto inglês de reforma eleitoral" no qual ele ataca com ferocidade o constitucionalismo e o parlamentarismo liberal. Hegel acaba de reelaborar o primeiro tomo da "Ciência da lógica".
No mês de novembro ele morre dentro de poucas horas sendo vítima, talvez, de uma epidemia de cólera ou talvez, como afirma a esposa, em decorrência de uma gastrite.
Hegel era um homem do poder. Um homem a serviço da ditadura absoluta. Inimigo de cada respiro de liberdade e adversário dos homens que pensam. Era um homem que possuía a sua própria família e exigia obediência, como também exigia obediência dos estudantes que deviam ser submissos.
Marghera, 14 de outubro de 2018; modificada em 28 de outubro de 2019
A tradução foi publicada 29.08.2021
Aqui você pode encontrar a versão original em italiano
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