A biografia de Jesus dito filho de Yahweh

As biografias dos jogadores - vigésima terceira biografia

Capítulo 106

A partida de futebol mundial entre os filósofos

Claudio Simeoni
traduzido por Dante Lioi Filho

 

As biografias dos filósofos

 

A biografia de Jesus dito filho de Yahweh

 

Escrever a biografia de quem nunca existiu. Este é o verdadeiro desafio.

Jesus é uma invenção. Quem o inventou? Não se sabe. Sabe-se para que foi inventado e para qual situação deveria servir a sua figura.

Existe "o conteúdo ideológico", que chamamos Jesus, e que é definido pela ideologia manifestada por quatro evangelhos que o cristianismo usou para impor aos homens a submissão a Jesus, chamando-a de "fé". Existem outros evangelhos e após a descoberta de Nague Hamadi sabemos que existiam outros grupos de seguidores de "Jesus" que descreviam de modo diferente o seu conteúdo ideológico. Entretanto, aqueles grupos ou foram eliminados ou não deixaram indícios nas transformações sociais.

Isto não nos interessa, porque o que foi extinto" ou ocultado não foi gravado naquilo que o homem e as sociedades tornaram-se, que tiveram de curvar-se à violência ideológica chamada Jesus.

Digamos que não sou eu que devo demonstrar que Jesus nunca existiu, mas é quem afirma a sua existência que está na obrigação desta demonstração. Do momento que o cristianismo passou para a história afirmando "Ou acreditas em Jesus ou corto tua cabeça ou te queimo", eis que hoje em dia o cristianismo perdeu a liberdade religiosa de cortar cabeças ou de queimar as pessoas, não estando portanto em condições de poder demonstrar o absurdo que afirma.

Dito isto, iniciemos com o nome "Jesus".

Conforme a propaganda cristã, aquela que as pessoas que constituem o rebanho, vendem à população, o nome "Jesus" é próprio daquele "indivíduo". Na realidade isto não é verdadeiro.

O "Jesus" como "salvador" nós o encontramos em duas partes da história hebraica. Um histórico e o outro mítico.

O "Jesus" histórico é aquele que na bíblia (para distingui-lo de "Jesus") é chamado de Josué.

Relato como mencionado pela internet:

'Gesù (Jesus) é a adaptação em italiano do nome em aramaico Yeshu'a passado para o grego bíblico Iesous, e em latim bíblico como Iesus; trata-se de uma tradução tardia em aramaico do nome hebraico Yehoshu'a, ou seja Josué que tem o significado de "YHWH é salvação", "YHWH salva".

Agora, temos que este Jesus está em conjunto com Zerubbabel", aquele que guiou os hebreus deportados da Babilônia que retornaram. Este Jesus não era qualquer um. Era o sumo sacerdote da "linha dos saduceus". Jesus que traz de volta os hebreus da Babilônia serve de base para um "manifesto propagandístico" no qual se fala de um outro Jesus salvador, que tem se complementado com Moisés na condução do povo eleito para fora do Egito.

Temos, portanto, dois Jesus salvadores, um que é histórico, que como grande sacerdote junto ao último descendente da casa de Davi conduz à Palestina uma parte dos filhos dos deportados da Babilônia e o outro, manifestado pela propaganda "mítica", que evoca uma suposta saída do Egito.

Por outro lado, a escolha do nome Jesus, foi feita na Babilônia e qual é o seu significado?

Quem relata é John Allegro no seu "O fungo sacro e a cruz":

"O uso do nome de Jesus (em grego Iesus) como invocação para curar era bastante apropriado. A sua origem hebraica yehoshila Joshua (Josué), vem do sumério IA-U-ShU-A (ShUSh), esperma, que salva, restaura, cura". Os hebreus helenizados usavam para "Joshua"o nome grego Iasan, Jasão, muito apropriadamente, já que Iasan, "curador", e o verbo subscrito iaomai, "curar" provêm da mesma raiz suméria. Na apóstrofe sarcástica do Novo Testamento: "Médico, cura-te a ti mesmo" (Lucas, 4:23), temos provavelmente uma alusão direta a este significado, como certamente no título de Jesus "salvador", em grego sater, em que o primeiro elemento reflete a mesma palavra suméria ShU "salvar" então é usado corretamente em grego no significado de salvar de uma doença, de um perigo, de um dano, etc. e é um epíteto comum de Zeus e de rei.
O deus da fecundidade, Dioniso, em grego Dionusos, cujo emblema de culto era um falo ereto, foi também o deus da cura, e o seu nome, se for privado das partes originárias, IA-U-NU-ShUSh, é quase idêntico àquele de Jesus, com a simples juntada de NU, "sêmen", "esperma, o sêmen que salva", e se pode comparar ao grego Nosios, "Curador", um outro epíteto de Júpiter."

Extraído de John Allegro, O fungo sacro e a cruz, Editor Ciarpanna, 1980, p. 56 - 57

O nome Jesus, naqueles tempo, passa a ser um elemento forte de propaganda judaica, por quê não utilizá-lo para uma terceira salvação? O grande salvador Jesus que retorna, ainda mais uma vez, para salvar o povo hebraico do helenismo desenfreado.

A operação Jesus talvez foi pensada como uma tentativa para tornar "unitária" uma situação social de desagregação forte.

Como foi a situação social que tornou necessária inventar um "Jesus" salvador?

A descrição da situação social na Palestina, naqueles tempos, tomo-a de Giuseppe Flavio. É um autor, sob muitos aspectos. pouco confiável porque antepõe a "certeza da fé" à descrição dos fatos, que ele quebra em função da fé. Todavia, por mais duvidoso, é sempre uma testemunha mesmo se essa testemunha venha a dizer "deus fez", "deus decidiu", e não narra como faz para afirmar que aquele mesmo fato é produto da vontade de "Deus".

Giuseppe Flavio escreve em Antiguidades Judaicas:

'Judas era filho do bandido chefe Ezechia, que tinha sido um homem de grande poder, sendo capturado por Herodes, somente com muita dificuldade. Este Judas, em Seffori, na Galileia, reuniu um número de homens desesperados e invadiu o palácio real, tomou todas as armas que estavam armazenadas, armou cada um dos seus homens, ele esperava obter prêmio não com a prática da virtude, mas usando da prepotência contra todos.
Existia também Simone, um escravo de rei Herodes, um homem de belo aspecto, de compleição destacada com quem esperava-se progressos. Dessa agitação existente em tudo isso, ele tomou coragem e ousou colocar o diadema na cabeça; em conjunto com outras pessoas enlouquecidas, ele se fez proclamado rei, lisonjeando-se de ser merecedor em pé de igualdade com todos os outros; depois ateou fogo à casa do rei de Jericó, saqueando e roubando tudo o que estava dentro. Destruiu com fogo muitas outras residências reais dispersas muitas partes da cidade após ter concedido aos seus companheiros rebeldes tudo o que havia sido deixado do saque.
Ele teria feito também algo de pior se a atenção não fosse rapidamente voltada contra ele. Uma vez que Grato, oficial das tropas reais que havia passado aos Romanos as forças que tinha, ficou contra Simone; teve lugar uma batalha longa e feroz e os habitantes da Perea estavam desorganizados e combatendo com o maior descuido do que com conhecimento, foram destruídos. Simone procurou fugir entre os vales para salvar-se, mas Grato o interceptou e lhe cortou a cabeça. Também o palácio real de Ammata junto à margem do Jordão, foi queimado por alguns rebeldes similares àqueles de Simone. Foi um período de insanidade que se instalou na nação, porque não havia justamente um rei verdadeiro que, com a sua autoridade, vigiasse e pusesse freio ao povo, e porque os estrangeiros que vinham até eles para atenuar as rebeliões eram, eles mesmos, uma causa de provocação com a sua arrogância e superioridade.
Havia também um certo Atronge, homem que não se distinguia nem por nobreza de berço, nem por excelência de caráter, nem pela abundância de bens, mas era simplesmente um pastor totalmente desconhecido por todos, embora fosse notável pela sua estatura grande e pela força dos seus braços. Esse homem teve a audácia de aspirar à realeza, pensando que obtendo-a teria tido a liberdade para agir com violência; e encontrando a morte e, tais circunstâncias não teria dado muita importância à perda da vida. Ele tinha quatro irmãos, também eles eram altos e bem confiantes no sucesso que teriam obtido em virtude da agilidade e da robustez corpórea deles estavam prontíssimos a façanhas árduas, e ele pensava que isto seria um ponto valioso para a conquista de um reino; (cada um) deles comandava uma companhia de soldados, cada dia, efetivamente, se agregava a eles uma multidão de gente. Os comandantes estavam às suas ordens, entretanto, cada vez que saíam para executar invasões e combater por eles, embora o próprio Atronge usasse a coroa e mantivesse a direção para discussão do que se deveria fazer, cada coisa dependia da sua decisão.
Este homem mantém o seu poder por longo tempo, porque tinha o título de rei e nada lhe impedia de fazer o que ele queria. Ele e os seus irmãos dedicaram-se, de modo exuberante, à execução de matanças de Romanos e dos homens do rei, contra estes juntos eles agiam com ódio igual; contra estes últimos por motivo de arrogância que haviam demonstrado durante o reinado de Herodes e contra os Romanos pelas injustiças que ainda cometiam. Mas, com o passar do tempo tornaram-se sempre mais selvagens (contra todos); e não havia pessoa, em qualquer lugar que fosse, que pudesse escapar: às vezes os rebeldes matavam por avidez de ganho e outras vezes por hábito de matar que haviam adquirido. Certa vez, perto de Emmaus, atacaram até mesmo uma companhia de soldados Romanos que levavam comida e armas para o próprio exército: cercaram o centurião Ario, que comandava o destacamento, e quarenta dos seus melhores soldados de infantaria, foram trucidados. Os restantes aterrorizados pelo destino reservado aos seus companheiros, puseram-se a salvo debaixo da proteção oferecida a eles por Grato e pelas tropas régias que estavam com ele, deixando para trás os seus mortos.
Este tipo de luta continuou por um longo tempo, causou aos Romanos não poucos incômodos e infligiu muitos danos às suas nações.
Os irmãos posteriormente foram submetidos: o primeiro num confronto com Grato, o outro num combate com Ptolomeu. E quando Herodes Arquelau capturou o mais velho, o último dos irmãos, entristecido pelo destino sombrio dos outros, após ter visto que a esta altura não tinha mais saída para escapar e estava sozinho, totalmente esgotado e completamente exausto, rendeu-se a Arquelau recebendo uma garantia juramentada pela sua fé em Deus de que não iria ter mal algum. Mas tudo isto aconteceu depois.
A Judeia estava cheia de bandidagem. Qualquer um poderia se fazer de rei, como chefe de uma gangue de rebeldes entre os quais acontecia, mais adiante, de ter exercido pressão para destruir a comunidade, causando revoltas entre um pequeno número de Romanos e, mais raramente, provocava uma grande carnificina do seu povo.'

Giuseppe Flávio, Antiguidades Judaicas, vol. 2, Utet, 2006, p. 1090 - 1092

De Giuseppe Flavio sempre podemos conhecer, mas sempre com a devida cautela, como se moviam na Palestina os grupos filosóficos e de pensamento religioso.

Quando foi construída a operação que, posteriormente, tomou o nome de Jesus, devia mergulhar num ambiente cultural no qual a ideologia que define Jesus, devia adaptar-se.

É importante definir o contexto cultural em que a operação Jesus se adapta, mas da qual, a operação Jesus, toma os elementos culturais com os quais revestir a qualidade da nova ideologia.

Giuseppe Flavio escreve em Antiguidades judaicas:

' Nos tempos mais remotos os Judeus têm três filosofias que fazem parte das suas tradições; a dos Essênios, a dos Saduceus e em terceiro lugar aquela denominada os Fariseus. Certamente deste falei no segundo livro da Guerra Judaica, no entanto, também aqui farei uma menção breve.
Os Fariseus tornam simples o seu modo de viver não fazendo alguma concessão à frouxidão. Eles seguem, conforme a doutrina deles escolheu e transmitiu como o que é bom, dando a máxima importância àqueles ordenamentos que consideram adequado e ditados para eles. Eles têm respeito e deferência com os seus anciãos, e não ousam contradizer as suas proposições. Eles consideram que cada coisa é governada pelo Destino, mas não proíbem a vontade humana de fazer o que está ao seu alcance, tendo agradado a Deus para que se realize uma fusão: o querer do homem, com a sua virtude e o seu vício, seja admitido na câmara do conselho do Destino. Acreditam na imortalidade das almas, e que debaixo da terra existem recompensas e punições para aqueles que seguiram a virtude ou o vício: castigo eterno é a sorte das almas más, enquanto as almas boas recebem uma passagem fácil para uma nova vida.
Com estes (ensinamentos) eles têm uma influência real e extremamente autoritária junto ao povo; e todas as preces e os ritos sacros do culto divino são executados conforme às suas disposições. A prática dos seus ideais altíssimos seja no modo de viver seja nas argumentações, é o eminente tributo que os habitantes da cidade pagam à excelência dos Fariseus.'
Os Saduceus acreditam que as almas perecem tal como os corpos. Eles não têm nenhuma outra observância senão as leis; consideram, de fato, um exercício virtuoso discutir com os mestres acerca da senda da doutrinal que esses seguem. Poucos são os homens que tiveram acesso ao conhecimento dessa doutrina; e não obstante essas pessoas pertencem à mais alta classe. Estes não cumprem praticamente nada (da autoridade deles), uma vez que quando assumem um cargo sem intenção e à força, não obstante submetem-no ao que dizem os Fariseus; porque de outra maneira não seriam tolerados (pelo povo).
A doutrina dos Essênios é a de deixar cada coisa nas mãos de Deus. Consideram a alma imortal e acreditam que devem lutar sobretudo para se aproximarem da justiça. Eles enviam as ofertas ao templo, mas cumprem os seus sacrifícios seguindo um ritual de purificação diferente. Por este motivo estão afastados dos recintos dos templos frequentados por todo o povo, e cumprem sozinhos os seus sacrifícios. No restante, são homens excelentes que se dedicam unicamente à agricultura. São admirados por todos pela sua justiça que jamais foi encontrada entre os Gregos ou entre os Bárbaros, nem sequer por um tempo breve, enquanto para eles constitui uma prática constante e nunca interrompida, sendo adotada nos tempos antigos. Consequentemente, mantêm os seus pertences em comum seja aquele que é rico, mais do que os outros, seja quem não possui nada. As pessoas que exercem esse tipo de vida são mais de quatro mil. Essas pessoas nem introduzem esposas na comunidade, nem têm escravos, já que consideram que a prática deste último hábito favorece a injustiça e acreditam que a primeira é fonte de discórdia. Eles, ao contrário, vivem sozinhos e desempenham com permutas os serviços uns com os outros. Levantando as mãos elegem homens honestos que recebem as suas rendas e os produtos da terra, e os sacerdotes para preparar pão e outro alimento. O gênero de vida deles não é diferente daqueles denominados Cristi entre os Daci, mas fechado o mais possível.
Judas o Galileu se colocou como guia de uma quarta filosofia. Esta escola concorda com todas as opiniões dos Fariseus, exceto no fato de que essas pessoas têm um amor ardentíssimo para a liberdade, convictos, como são, de que somente Deus é o seu guia e patrão. A estes pouco importa enfrentar formas de morte não comuns, permitir que a vingança se arremesse contra parentes e amigos, contanto que possam evitar de chamar um homem "patrão". Mas, a maioria do povo viu a tenacidade de resolução deles em tais circunstâncias, que possam avançar além da narração. Porque não tenho temor que qualquer coisa que se refira ao propósito deles seja considerada incrível. O perigo, ao contrário, está sobretudo no fato de que a minha exposição possa minimizar a indiferença com a qual aceitam o dilacerante sofrimento das penas. Este frenesi começou afligir a nação depois que o governador Gessio Floro, com as suas prepotências incomensuráveis e ilegalidade provocou uma rebelião desesperada contra os Romanos. Tal é o número das escolas filosóficas entre os Judeus.'

Giuseppe Flavio, Antiguidades Judaicas, vol. 2, Utet, 2006. p. 1106 - 1109

A estas escolas deve ser adicionada a helênica. O helenismo alastrava-se em Jerusalém, na Palestina e entre os hebreus fora dos confins Palestinos, de Alexandria à Roma, de Atenas à Cirena.

Um exemplo é a questão do templo de Jerusalém que Herodes o Grande mandou construir.

Linda Marie Gunther em "Herodes o Grande" escreve:

'Quanto às intenções do dono da obra, pelos estudos mais recentes, acerca do Templo "herodiano", considera-se uma nova leitura do conjunto arquitetônico para tentar responder que no Pórtico real percebe-se o modelo da basílica romana. Com esta interpretação, um envolvimento não indiferente realizado com a hipótese, segundo a qual, o complexo do Templo construído sobre montanha teria sido reproduzido alicerçado no Cesáreo de Alexandria, a majestosa instalação reservada ao culto helenístico-romano do soberano.
Imaginando os "pórticos animados de uma vida cultural intensa e religiosa, cujo desenvolvimento estava em parte ligado, obviamente, àquilo que acontecia no interior do complexo monumental, isto é no Templo", chegou-se a especular que o pátio dos gentios desempenhasse a função de uma praça de mercado, no sentido de ágora greco-helenística, portanto de um centro da cidade, o pórtico real, em tudo isto, teria ocupado uma posição central, sobre o modelo de uma basílica romana, que era parte integrante do Foro romano. Mas, o pórtico real, posicionado a sudeste do pátio dos gentios, estava realmente "destinado às finalidades comunitárias e comerciais de todo tipo". Visto que não parece respaldada em elementos arqueológicos, nem por indícios de caráter histórico-literários, a hipótese é rejeitada, tal como a conclusão da qual foi extraída, segundo a qual a construção do Templo sobre montanha deste complexo arquitetônico representa inspiração em um modelo helenístico-romano, visava, em última instância, humilhar o povo judeu. Não menos importante, e parece problemático, o vínculo entre a interpretação acima delineada, que lê o complexo arquitetônico como uma imitação do Cesáreo, e o pórtico real como sendo uma espécie de basílica, e a nítida tipificação do patrono conforme a imagem do soberano helenístico, típica daqueles tempos. No meio de tudo isto, a intenção de construir o mais suntuoso dos templos para glorificar o seu Deus, torna-se mais um dos tantos motivos que impeliram o rei à proeza. Nestas circunstâncias, Herodes quase não aparece mais como um Hebreu. Mas, quando se chega a sustentar que o projeto monumental - cuja finalidade era sem dúvida também a de aumentar a glória do patrocinador, do seu reino e da sua cidade de Jerusalém - não correspondia "às exigências e às possibilidades do monoteísmo judaico", encontram-se desprovidos de argumentos. Neste sentido, a construção do Templo, e especialmente a construção do pórtico real, está ligada ao significado de Jerusalém dado que é lugar de peregrinação, e vinculada ao significado de santuário porque é "centro do tráfego religioso". Inclusive para A. Schalit o edifício do Templo era uma espécie "dique de proteção [...], uma barreira que defendia o rei das maldições que lhe eram lançadas pelo fanatismo judaico, e ao mesmo tempo, uma espécie de garantia para a duração do seu reino: com esta obra piedosa com dimensões colossais, Herodes esperava aplacar a divindade e assegurar-se do favor dela, eternamente, para ele e para a sua família.'

Extraído de: Linda Marie Gunther, Herodes o Grande, editora Salerno, 2007, p. 253 - 254

Odiado pelos fundamentalistas hebreus, Herodes vem a ser difamado pelos ideólogos de Jesus, como sendo o autor do "massacre dos inocentes" que, como narra Giuseppe Flavio, narração retomada por Gunther, outra coisa não era senão repressão de golpe de Estado orquestrado no palácio de Herodes, muitas vezes pelos próprios familiares, para destituí-lo.

Linda Marie Gunther escreve:

'Na narração de Giuseppe Flavio as desordens da família asmoniana são abordados como um único bloco narrativo, que é iniciado com o retorno de Herodes, reafirmado por Otaviano, e termina com a morte dos "filhos de Baba": "de maneira que ninguém da família de Ircano se manteve vivo e o reino passou completamente às mãos de Herodes, não havendo alguém de alto nível que ousasse obstruir o caminho para as suas ações ilegais" (ivi, 266). Na primavera de 30, Herodes foi visto devolvendo a coroa ao novo dominador de Roma, e portanto também ao Oriente helenístico, o diadema que simbolizava a realeza. E tinha, abertamente, e disseminado aquele ato legítimo numa série de moedas de bronze. Mas, por cerca de três anos ele devera defender o poder dos inimigos internos, lutando com os Asmoneus e com adversários também muito perigosos. A ameaça maior vinha dos elementos da nova classe dirigente judaica-idumeia que tinham se tornado parentes com a família real. Graças à ajuda da sua irmã Salomé, ele conseguiu, no entanto, neutralizar a perigosa soldagem entre estes rivais e os últimos representantes da família dos asmoneus, descobrindo em tempo as suas conspirações.'

Extraído de: Linda Marie Gunther, Herodes o Grande, editora Salerno, 2007, p. 142

O ódio hebraico pelo helenismo era feroz. Condenar Herodes, difamando-o, era a vingança dos hebreus integralistas. Uma vingança, que na descrição da ideologia de Jesus, veremos ela se externar também com o episódio dos evangelhos em relação à "Expulsão dos comerciantes do templo", quando o templo tinha os pátios destinados tanto para o comércio como para os relacionamentos sociais, à discussão e à cultura.

Para os hebreus integralistas, expulsar os comerciantes do templo de Herodes, era expulsar os helenistas da Palestina. não é por acaso que o chicote que Jesus usa no evangelho de João se torna o chicote com que Hitler ratifica o genocídio hebraico. É Hitler que expulsa os hebreus do templo alemão colocando-os nos fornos crematórios.

A ideologia da aprovação do genocídio como método é um modelo que servia aos hebreus integralistas e que, na construção da nova ideologia chamada Jesus, não podia faltar. Jesus é o super-homem que expulsa os mercadores do templo.

Jesus é inserido no modelo de homem que nasce de uma mulher que veio a ficar grávida por "um deus". Este modelo era um modelo próprio do Mito e era usado para tornar legítimo o direito de submeter os homens. Um grande número de semideuses nascem de uma mulher com um deus, ou de um homem com uma deusa. Estes nascimentos tinham o escopo de manifestar um poder que fosse útil à comunidade. Com Jesus, que nasce de Maria, não só Maria torna legítima a violência sofrida exaltando o seu papel de escrava de Deus, mas quem nasce como filho de Deus pretende ser o senhor dos homens por ser filho de deus que é patrão, seu pai. Ser filho de Deus, é algo que nós encontramos em três modelos muito particulares que, na minha opinião, têm influído de maneira importante na construção da ideologia que chamamos Jesus.

O helenismo difuso em Jerusalém aconteceu depois do ano 330 a.c. com a chegada de Alexandre Magno, que afirmava que sua mãe engravidara pelo Deus Amon. O segundo episódio refere-se a Cipião Africano que afirmava que sua mãe engravidara por uma grande luz. Finalmente, o terceiro episódio diz respeito a Platão, episódio em que, por intermédio de uma operação, realizada na Academia de Atenas, ele foi divinizado. Segundo o sucessor de Platão na Academia de Atenas, a mãe de Platão engravidara pelo deus Apolo, sendo que Platão era considerado capaz de fazer milagres uma vez que era irmão de Esculápio.

Basicamente, os modelos ideológicos já estavam na praça, trata-se de selecioná-los e torná-los funcionais aos projetos de quem elabora a ideia de Jesus para os próprios fins ideológicos.

Deschner escreve:

'Os nascimentos de virgens foram um tanto familiares e difusos no mundo antigo, que os maiores Padres da igreja passaram a propagandear o nascimento imaculado de Jesus por meio de mitos semelhantes. No nosso tempo, diz o teólogo Bossuet, isto está "portanto claro, que não faz mais algum sentido acumular ainda paralelos, colecionando todas as lendas sobre filhos de deus vindos à luz milagrosamente". Muito antes de a Igreja (mas somente no ano 353) fixar em 25 de dezembro a data do nascimento de Cristo, já se festejava no mesmo dia o gentilismo de Mitra, o deus sol invicto. Também as fórmulas litúrgicas dos crentes pagãos durante a festa do solstício, ou seja na noite do dia 24 para o dia 25 de dezembro, já recitavam: "A virgem pariu, a luz crescerá", ou "O grande rei nasceu, Osíris o benfeitor". E das festividades de mistério surge além disso a proclamação "A vós hoje nasceu o salvador". Em Lucas, o anjo diz "hoje nasceu um salvador".

Extraído de: Karlheinz Deschner, A igreja que mente, Massari editor, 1991, p. 31

Depois, quando se fala no nascimento de Jesus, o modelo já estava presente na cultura.

Deschner escreve:

'Muito tempo antes de Jesus, eram descritas e representadas outras divindades (Zeus, Hermes, Dioniso) jacentes em faixas num cesto sacro, ou em uma manjedoura. No seu nascimento, Mitra já era adorado pelos pastores ostentando frutas e primeiros frutos dos seus rebanhos. Como Maria, que pariu o menino Jesus durante a viagem, também com frequência outros filhos de virgens vieram ao mundo durante uma viagem ou em uma fuga. Assim, o menino divino da deusa Isis; mas também esta (diga-se de passagem) foi venerada como "rainha celeste" e "madre amorosa", muito antes de Maria, bem como "rainha do mar", "doadora de graça", "salvadora", "imaculada", "rainha santa" e "mater dolorosa"; também ela foi representada com um manto azul revestido de estrelas, com o menino divino nos braços ou no seio.'

Extraído de Karlheinz Deschner, A igreja que mente, Massari editor, 1991, p. 31

A propósito do início da "pregação de Jesus", Deschner nos conta como o modelo já estava presente na cultura do tempo:

'Antes de iniciar o seu ensinamento, Jesus retira-se para o isolamento; aqui ele cai em tentação, é conduzido a um monte alto, lhe são apontados todos os reinos do mundo ... não diferentemente da maneira de Hércules, antes de empreender a sua atividade pública ele busca a solidão, cai na tentação, é levado ao cume de uma montanha de onde lhe são mostrados os domínios do rei e do tirano. Mas também em Zarathustra existe uma história análoga de sedução.'

Extraído de: Karlheinz Deschner, A igreja que mente, Massari editor, 1991, p. 32

Inclusive o fazer-se passar por "salvador do mundo" é um modelo já visto.

Deschner escreve:

'Mas também os outros salvadores, do paganismo, são muito antes de Jesus, intercessores, reveladores, redentores. Eles já haviam anunciado: "Eu sou uma luz para a humanidade", "quem crê será salvo, quem não acredita será julgado", e daí em diante sentenciando. Essas pessoas já atuavam por amor em direção aos homens, legitimando a si próprios por meio de profecias e milagres. Vaticínios e adivinhações foram transmitidos por Buda, por Pitágoras, por Sócrates e por muitos outros; e, tal como os cristãos, os pagãos já discutiam se uma profecia tinha origem vinda da divindade, em seu exato teor. ou apenas naquilo que ela continha em si mesma.'

Extraído de: Karlheinz Deschner, A igreja que mente, Massari editor, 1991, p. 32

Para não falar dos milagres operados por Jesus.

Deschner nos narra:

'... ainda Pitágoras começou o seu ensinamento e os seu prodígios com um milagre dos peixes, em que ele na verdade - elevando-se muito acima de Jesus - ordena para pôr novamente em liberdade os peixes dos quais ele ressarce o valor. Além disso, Pitágoras curou enfermos no corpo e na alma, e acalmou ademais a tempestade no mar, uma proeza que Empédocles - um dos seus, provavelmente, ouvintes ocasionais - realizou, dessa forma, e com frequência, para merecer francamente o epíteto de "dominador do vento". E não apenas isto; Empédocles, de fato já curava as vítimas da peste e ressuscitava os mortos.'

Extraído de: Karlheinz Deschner, A igreja que mente, Massari editor, 1991, p. 32 - 33

E ainda sobre as "bodas de caná", Deschner nos narra:

'O milagre das bodas de Caná (onde Cristo em João transforma de 600 a 700 litros de água em vinho, como afigura-se claramente no texto de João, 2, 6, inclusive se o devotos exegetas querem reduzir a grande quantidade, minimizando inutilmente o prodígio), já havia sido realizado por Dioniso, como testemunha Eurípedes. Dioniso, o deus mais amado do mundo antigo - que era venerado da Ásia à Espanha com suntuosas procissões - deve transferir a Cristo, no Evangelho de João, um dos seus títulos mais ambicionados, que é o de "videira", que no Evangelho se transforma em "a verdadeira videira"(No entanto, tudo o que antes era falso, no Cristianismo parece se tornar verdadeiro).
Verdadeiro é que Dioniso realizou muitos milagres do vinho: e os seus sacerdotes, posteriormente, repetiram consciente do embuste, nas festas dionisíacas, exatamente os mesmos prodígios, assim como mais tarde os sacerdotes cristãos na celebração das bodas de Caná (aos 6 de janeiro, isto é, o mesmo dia em que se celebrava uma dionisíaca muito popular!) reproduziam fraudulentamente a transformação da água em vinho.'

Extraído de: Karlheinz Deschner, A igreja mente, Massari editor, 1991, p. 33

E ao que refere às curas milagrosas atribuídas a Jesus, Deschner nos narra:

'Fama de grande taumaturgo teve na antiguidade o médico e deus curador Asclépio, em cujos altares sobressaía em letras gigantes a palavra soter (salvador), e de quem todo o mundo conhecia as portentosas curas em Epidauro, cidade que começou precisamente a prosperar no século V antes de Cristo, como Lourdes nos nossos dias. Pois bem, quantas proezas de Jesus remontam a Asclépio, quanto intimamente relacionadas são as atividades taumatúrgicas de ambos, evidenciam-se, em síntese incisiva nos resultados de pesquisa do teólogo Carl Schneider:
"Tal como Asclépio, Jesus cura com a mão estendida ou sobreposta, ou com um dedo, que ele coloca na parte doente do corpo, ou também por meio de outros contatos com o enfermo. Como em Asclépio, fé e cura interagem uma com a outra, mas não sempre: em alguma ocasião vem a ser curado um descrente. Em ambos os casos, pretende-se, todavia, um agradecimento dos curados. Um cego curado por Asclépio vê, como primeira coisa, somente as árvores, tal como um curado por Jesus. De Asclépio e de Jesus recebem a cura: paralíticos, mudos, aleijados, cura à distância de pessoas doentes. Após a cura os que sofrem milagres levam embora sozinhos as suas macas. Estes curadores não diferenciam classe social, ou seja curando igualmente jovens e velhos, pobres e ricos, homens e mulheres, escravos e livres, amigos e inimigos. Às curas seguem-se prodígios naturais. Asclépio chamou novamente à vida seis mortos e os particulares da façanha são idênticos àqueles dois mortos acordados por Jesus: estão presentes muitas testemunhas, os incrédulos suspeitam tratar-se de morte aparente, é dado de comer aos retornados. Por isso Jesus assume também os epítetos peculiares de Asclépio: é simplesmente "médico", mas também "senhor sobre as forças da doença" e "salvador"."

Extraído de: Karlheinz Deschner, A igreja mente, Massari editor, 1991, p. 33

Dos modelos milagrosos, Deschner afirma:

'O teólogo Bossuet observa: "Transferiram-se sobre Jesus histórias de todos os gêneros, que ainda vivem na tradição popular, histórias atribuídas anteriormente a este ou àquele operador de milagres, acompanhando as narrações evangélicas já conhecidas em ideias e motivos fantásticos em circulação". E o teólogo Martin Dibelius: "... os narradores judaico-cristãos fizeram de Jesus o herói de lendas bem conhecidas de profetas e de rabinos, enquanto os novelistas reestruturavam histórias de Deuses, de salvadores e taumaturgos, decalcando-as sobre um salvador cristão".
Deste modo, os milagres tipificados - especialmente as de muitas "religiões superiores" - regressam ao Novo Testamento. Diversas ações inexplicáveis (particularmente exorcismos de demônios, caminhadas sobre a água, abrandamento de tempestades, multiplicação extraordinária de pães e alimentos) eram bastante familiares ao mundo antigo, devem, pois, ser contadas entre as maravilhas frequentes e típicas daqueles tempos. Mas, até mesmo despertar o morto constituía um fato extraordinário, tendo efetivamente fórmulas especiais para tal efeito. Na Babilônia, onde a ideia de ressuscitar os mortos era bastante difundida, muitos Deuses eram chamados seguramente de "reanimadores de mortos"'.

Extraído de: Karlheinz Deschner, A igreja que mente, Massari editor, 1991, p. 34

E no que diz respeito à crucificação, Deschner observa:

'Outros Deuses mortos na cruz são Prometeu, Licurgo, Marsia, Dioniso. As comunidades dionisíacas, como é agora provado, veneraram o seu Deus na cruz, já antes da era cristã, sobre um altar, com barris de vinho.
Segundo o teólogo Hermann Raschke, a crucificação de Jesus outra coisa não é senão uma forma evolutiva da crucificação de Dioniso. De qualquer forma inclusive, por mais que outras tradições possam tê-la praticado com certas grandiosidades, podemos perfeitamente sintetizar com Raschke: "Dioniso que cavalga em um asno (e aqui eu recordo que o asno é para Dioniso, como depois será para Jesus, o animal da paz). Dioniso sobre a embarcação como senhor do mar, Dioniso e os figos secos, Dioniso e a videira, Dioniso cuja carne é comida e o sangue bebido, e até mesmo Orfeu na cruz no culto a Baco: são suficientes somente estes fugazes acenos para reconhecer que o patrimônio dos mitos evangélicos está totalmente repleto de fundamentos dionisíacos".
Nos minutos mais particulares se repete em parte - na morte de Jesus - pelo que já acontecera antes nas mortes das divindades pagãs. Assim, Bel Marduk, a divindade mais celebrada da Babilônia, conhecido como criador do mundo, deus da sabedoria, da arte médica e da magia, mas além disso como redentor enviado pelo pai, ressuscitador de mortos, senhor de todos os senhores e bom pastor - pois bem, Marduk foi feito prisioneiro, submetido a interrogatório, condenado a morte, açoitado e finalmente executado junto com um delinquente, enquanto um outro malfeitor foi liberado. "... e uma mulher enxugou o sangue do deus, jorrado de ferida a ele causada por uma lança". À morte de César, o povo ateniense o exaltou como salvador, enquanto aquele romano acreditou universalmente que havia subido ao céu para se tornar um deus: e o sol escureceu, baixaram as trevas, a terra se rompeu e os defuntos subiram à superfície da terra.
Hércules, já em 500 anterior a Cristo era venerado como filho de Deus e intermediário da humanidade, mas no tempo de Jesus também como salvador do mundo, no final é tomado por suas obras por força do pai divino, ao qual na despedida recomenda o seu espírito: "Recolhe o meu espírito, suplico-te, entre as estrelas... eis que o meu pai me chama e abre o céu - eis-me aqui, ó pai, eu estou aqui". Mais tarde - no Evangelho de Lucas - dir-se-á: "E Jesus, gritando em alta voz, disse: " Meu Pai, nas tuas mãos coloco o meu espírito!"
Ainda mais considerável são as concordâncias entre a religião de Hércules e o Evangelho de João.
Enquanto nos três primeiros Evangelhos o discípulo predileto não se encontra aos pés da cruz (e inclusive falta-lhe a mãe de Jesus porque aqui as mulheres estão vendo "de longe": neste ponto Lucas escreve até mesmo "mas todos os conhecidos e as mulheres estavam vendo de longe "), no Evangelho de João, em contraste com aqueles outros Evangelhos, a mãe e o discípulo predileto estão junto à cruz. Da mesma forma, na morte de Hércules, estavam presentes a sua mãe e o aluno predileto. Como Hércules assumido no céu, invoca "não chore, ó mãe ... daqui a pouco entrarei no céu", assim o Cristo ressuscitado em João dirá "Mulher, por quê choras?" ... Eu subo ao meu pai". Igual a Hércules, ele morre exclamando "Está consumado!", outro tanto dirá o Cristo joanino. Além do mais, a Hércules coube também o apelido de Logos, antes que fosse aplicado a Cristo, segundo João. E se na religião de Hércules se afirmava que "não é para prejudicar ou para punir, pelo contrário, é para salvar que o Logos está aqui presente", no Evangelho de João se diz " Porque Deus não mandou o seu filho ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele". Por último, como o culpado pela morte de Hércules se enforca em decorrência do arrependimento e da angústia, assim também Judas acaba se enforcando, mesmo se os escritos cristãos mais antigos, o fazem morrer claramente por três vezes, de tal modo que cada versão exclui a outra.'

Extraído de: Karlheinz Deschner, A igreja que mente, Massari editor, 1991, p. 35

No que se refere à ressurreição de Jesus, deste modo nos relata Deschner:

'Também a célebre história bíblica do sepulcro vazio ("Aberta está a tumba - Goethe escreve escarnecendo - Que maravilha imensa! O Senhor ressuscitou! Quem acredita? Brincalhões ... vocês o disseram), pois bem, isto já podia-se ler no famoso romance grego As aventuras de Cherea e Calliroe, escrito por Chariton. No terceiro livro desta obra, Cherea corre no decorrer do dia à tumba de Calliroe: está em desespero, e eis que ... a pedra está puxada e o acesso liberado. Pelo susto, Cherea não ousa colocar o pé no sepulcro. Espalha-se a notícia, outros acodem, também eles cheios de pavor, quando finalmente alguém entra grita diante do milagre: a defunta não está mais lá, a tumba está vazia. Neste ponto, Cherea entra e confirma, com os olhos, o incrível.
Parte integrante da história do enviado de Deus, típica da antiguidade, era, todavia, imortal depois da sua morte, volta a se manifestar dentro de um certo tempo. Porque exigiam-se as provas. E, efetivamente, o ressuscitado Apolônio de Tiana - um contemporâneo de Jesus e dos apóstolos - apareceu perante dois dos seus discípulos, exortando-os e inclusive apertando-lhes a mão, para convencê-los da realidade de ter voltado à vida. E, uma vez que, - conforme uma antiga opinião judaica, já expressa no quinto livro de Moisés e repetida amiúde no Novo Testamento - a presença de duas ou mais testemunhas adquiria força comprobatória, também Cristo teve de aparecer à muitas pessoas para que fosse demonstrado que "verdadeiramente" havia ressuscitado.'

Extraído de: Karlheinz Deschner, A igreja que mente, Massari editor, 1991, p. 35 - 36

E o que dizer da descida de Jesus aos infernos?

Desta maneira nos relata Deschner:

'Mas, as descidas das divindades aos infernos constituíam um tema muito popular para que fosse renunciado pelo Cristianismo. De fato, nas crenças antigas acerca da imortalidade, as mesmas tinham assumido uma importância decisiva, tanto que as encontramos amplamente nos mitos egípcios, babilônios, helenistas.
No antigo Egito, Ra e Osíris lutavam contra as potências do mundo infernal. Na Babilônia, já no III milênio, conhecia-se uma descida aos infernos da deusa Ishtar. No XIV século anterior à era cristã testemunhou-se também a do deus Nergal, o qual silencia o mundo subterrâneo superando as suas tropas: com isto provoca um terremoto, como a descida de Cristo aos infernos. Na descida do babilônio Marduk, criador do mundo e bom pastor, cuja história apresenta desconcertantes paralelos com a história do objeto do culto cristão, testemunhou-se também o motivo da violenta abertura do cárcere dos prisioneiros que contemplam alegremente o libertador. Mas inclusive a viagem aos infernos de Hércules, cujo destino - como transmitem tanto a imagem filosófica quanto a imagem religiosa de Hércules - mostram indubitavelmente as analogias mais numerosas com as do herói cristão, visa pois, triunfar sobre forças além do mundo subterrâneo, quebrando a lei demoníaca. Não é diferente de Cristo, Hércules já desejava levar a luz aos defuntos enfraquecidos, libertando-os da prisão. "A morte horrível é derrotada, tu venceste o reino da morte". E também o histórico Pitágoras - evento documentado no III século pré-cristão - realizou a sua viagem aos infernos. Seguindo modelos deste tipo numa epístola falsificada sob o nome de Pedro, que representa o suporte bíblico principal do dogma, fez-se descer também Jesus no inferno para libertar além do mais os prisioneiros.
E já que muitas ascensões ao céu de personagens vivos não eram conhecidas somente pelos pagãos (junto ao quais haviam desaparecido quase que como por encanto, Cibele, Hércules, Átis, Mitra, líderes como César, poetas como Homero), mas eram conhecidos igualmente pelos Hebreus (com os mesmos exemplos de Enoque, Moisés, Elias), não era possível que Jesus fosse menos dessas pessoas. Mas quantas incongruências mais uma vez! O Evangelho de Mateus não somente não conhece alguma ascensão ao céu, mas até mesmo a exclui, segundo alguns estudiosos. Na versão do Evangelho de Marcos pode-se ler numa conclusão prolixa recusada como sendo espúria até mesmo por exegetas católicos, mas a rejeita totalmente da teologia crítica. Segundo o Evangelho de Lucas, a ascensão de Cristo acontece no mesmo dia da ressurreição, na noite do domingo de Páscoa; segundo os documentos dos Apóstolos, ao invés, acontece 40 dias mais tarde. de acordo com o Evangelho de Lucas, depois, a coisa acontece perto de Betânia, conforme os Documentos, ao contrário, começa no Monte das Oliveiras.'

Extraído de: Karlheinz Deschner, A igreja que mente, Massari editor, 1991, p. 36 - 37

Ao falar-se da vida de Jesus, descrita nos evangelhos, evidencia-se imediatamente como a vida e o comportamento de Jesus é semelhante a de Sócrates descrito na Apologia.

O implante é o mesmo. Sobre o esquema da vida de Sócrates são enxertados os elementos ideológicos que interessam aos vários personagens que escrevem de Jesus, para manipularem o grupo do qual eles têm o controle.

Deschner conclui o capítulo sobre "O dogma da divindade de Cristo":

'Mas, vamos supor também, desta vez, usando da teologia histórico-crítica, o caráter histórico de uma homem chamado Jesus. Vamos supor, portanto, que ele tenha sido batizado, que tenha pregado e curou, tenha sido proclamado o próximo ao Reino, promovendo o amor por Deus, pelo próximo, pelos inimigos, combatendo contra o culto e a devoção hipócrita, contra a opressão dos fracos e a exploração dos pobres, sofrendo no final - de conseguinte dramático - uma condenação à morte iníqua ...
Pois bem, tanto assim, a teologia crítica não poderá afirmar; quando muito, algo menor. No entanto, ela pergunta: de que modo um homem tal tornou-se o criador do universo?

Extraído de: Karlheinz Deschner, A igreja que mente, Massari editor, 1991, p. 37

O esquema da vida de Sócrates na Apologia é o esquema geral que rege a história da vida de Jesus. Um esquema no qual se enxerta o milagroso. Conforme o Deus Apolo afirma que "Sócrates é o homem mais sábio do mundo", assim o deus cristão diz a Batista que ele é o seu filho e, portanto, o senhor do mundo.

É de tal modo forte a influência do Platonismo na ideologia manifestada nos evangelhos dos cristãos que, amiúde, fica difícil distinguir as ideias de Platão das ideias de Jesus. É mais fácil identificar nos evangelhos cristãos os elementos dogmáticos e éticos exclusivos das antigas religiões de mistério pré-cristãs, que são violentadas para construir a ideologia da submissão.

O comportamento mantido por Jesus, no processo, conforme descrito nos evangelhos, é o mesmo comportamento arrogante mantido por Sócrates durante o processo deste. E, essa atitude arrogante de desprezo pelas pessoas, encerra ambos os processos do mesmo modo, isto é com a morte do réu. Com este estilo propagandista, o "espectador fã" pode indignar-se contra os juízes do processo e identificar todas as injustiças sofridas na sua existência presumida, injustiças estas que o réu está sofrendo durante o processo de julgamento.

É um modelo propagandista bem lubrificado e usado também em nossos dias.

A construção da imagem de Jesus não ocorreu nem sequer sobre um "modelo humano" do seu tempo. O modelo é construído em função de um projeto político-social elaborado em uma chave filosófica. Este projeto ideológico, para funcionar, não deveria se identificar com nenhuma pessoa da história.

Quem projetou este modelo?

Podem ser apresentadas hipóteses, mas todas têm os seus limites porque não se compreende de onde tenha partido "a ideia chave", que pôs em movimento o mecanismo de reelaboração contínua, forjando um Jesus sempre modificado conforme os interesses de cada redator.

Nenhuma elaboração ocorreu antes de Fílon de Alexandria. Nenhuma elaboração é conhecida antes da destruição do templo de Jerusalém.

A "ideia chave" que constrói a biografia de Jesus nasceu entre o ano 40 e 80 d.c., no entanto, não veio à luz senão por volta do ano 100 d.c. Na "ideia chave" provavelmente não há o nome "Jesus", mas seguramente um conjunto de estratégias sociais-religiosas traduzidas em termos militares contra os descrentes. Estas ideias militares tornam-se o substrato ideológico sobre o qual constrói-se a figura de Jesus.

Entre os textos considerados comumente, junto aos mais antigos do cristianismo, está incluído o evangelho de Marcos. Mas, qual valor tem o evangelho de Marcos quando está, declaradamente, escrito por Bart D. Ehrman que toda a última parte do evangelho foi adicionada tardiamente, e que não há nada a ver com o restante do evangelho? O restante do evangelho o que tem a ver com um homem chamado Jesus? Nada, porque se devemos identificar um Jesus devemos identificá-lo não em uma pessoa, mas em uma ideologia tramada para uma pessoa.

Todos os evangelhos são boatos. Boatos antigos que são integrados por boatos mais recentes para torná-los atuais.

Bart D. Ehrman escreve em "Jesus nunca disse":

'Segundo o conto de Marcos, Jesus é crucificado e depois sepultado por José de Arimateia, a vigília do sábado (15, 42-47). O dia depois do sábado, Maria de Magdala e outras duas mulheres voltam à tumba para embalsamar o corpo como convém (16, 1-2). Ao chegarem elas descobrem que a pedra havia sido removida.
Entrando no sepulcro, veem um jovem vestido de branco que lhes diz: "Não vos assusteis! Vós buscais por Jesus Nazareno, o crucificado ressuscitou, não está aqui. Eis o lugar onde o haviam colocado". Depois ordena às mulheres para informarem os discípulos que Jesus vai antes para a Galileia e ali o vereis, "como ele vos disse".
Mas, as mulheres fugiram do sepulcro e nada diziam a ninguém , "porque estavam possuídas de temor e assombro"(16, 4-8)
Neste ponto em muitas traduções modernas vêm nos últimos versículos de Marcos, uma continuação da história. Diz-se que o mesmo Jesus aparece primeiramente à Maria de Magdala, que vai anunciá-lo aos discípulos, porém sem ser acreditada (vv. 9-11), depois em outros dois (vv. 12-14) e, enfim, aos onze discípulos (doze, menos Judas Iscariotes) reunidos junto à mesa. Jesus os repreende por não terem acreditado, e então os incumbe de irem pregar o seu evangelho "a toda criatura". Quem crer e for batizado "será salvo", mas quem não acreditar "será condenado". Seguem os dois dos mais interessantes versículos do trecho:
E estes serão os sinais que acompanharão aqueles que acreditam: em meu nome expulsarão os demônios, falarão línguas novas, tomarão em mãos as serpentes e, se beberem algum veneno, não lhes fará dano algum; porão as mãos sobre os enfermos e eles serão curados (vv. 17-18).
Jesus depois sobe ao céu e senta à direita de Deus. Os discípulos vão pregar o evangelho no mundo e as suas palavras são confirmadas pelos milagres que os acompanham (vv. 19-20)
É um trecho formidável, misterioso, comovente e potente, é um dos passos usados pelos cristãos pentecostais para demonstrar que os seguidores de Jesus estarão em condições para falar em "línguas desconhecidas", como acontece nas suas funções, e é o trecho principal com que se chamam grupos de "manuseadores de serpentes dos Apalaches" que ainda hoje seguram serpentes venenosas para demonstrarem a sua fé nas palavras de Jesus, segundo às quais, assim fazendo, nenhum mal os atinge.
Mas há um problema. O trecho em sua origem não estava no Evangelho de Marcos. Foi acrescentado mais tarde por um escriba.
Este problema textual é mais polêmico em alguns versículos do que o do trecho sobre a adúltera, porque, sem estes últimos versículos, o final de Marcos é bem diferente e difícil de ser compreendido. Isto não significa que os estudiosos estão propensos a aceitar os versículos, como veremos dentro em pouco: os motivos para considerá-los como um acréscimo são válidos, quase indiscutíveis. No entanto, os peritos debatem sobre qual seria a conclusão verdadeira de Marcos, tendo em conta que esta, presente em muitas traduções (embora comumente assinalada como não autêntica) e em manuscritos gregos tardios, não é a original.
As provas de que estes versículos de Marcos não são os originais e são de natureza análoga àquele trecho da adúltera, e mais uma vez, não é necessário abordá-los em detalhes aqui neste local. Estes versículos não constam nos nossos dois mais antigos e melhores manuscritos, do Evangelho de Marcos, e em outros importantes relatos; o estilo da escrita varia em relação àquele estilo de escrita de Marco que encontramos em outras partes; a transição entre este trecho e o precedente é de difícil compreensão (por exemplo, embora seja citada no versículo precedente, Maria de Magdala é apresentada no versículo 9 como se já não tivesse sido mencionada; além disso, há um outro problema vinculado ao grego que torna esta passagem mais ainda equivocada) e na passagem surgem uma quantidade de palavras e expressões que, de outra maneira, não estão presentes em Marcos.'

Extraído de: Bart D. Ehrman, Jesus nunca disse, Mondadori, 2007, pág. 76 - 78

A quantidade e a qualidade de alterações certificam como consiste em Jesus somente uma invenção ideológica.

Não só Jesus nunca existiu, mas nunca existiu um homem que possa ter praticado algum tipo de ação que tenha sido atribuída a Jesus.

Verdadeiramente alguém pensa que existe um deus patrão que criou o universo? Verdadeiramente alguém justifica o genocídio para a glória do deu patrão, que teria criado o universo?

Infelizmente muitas pessoas têm interesse em construir a submissão, miséria social, tornar legítimo o estupro de crianças, legitimar a marginalização social, induzindo os miseráveis a se identificarem na bondade do patrão, ao invés de mudar a própria condição de miserável.

Muitas pessoas têm estes interesses e alimentam o fictício de uma fake new tal como é Jesus, um boato que tem a finalidade de roubar a existência e a vida dos homens.

Não se pode fazer uma biografia de Jesus, porque Jesus nunca existiu. Podemos fazer uma biografia da sua não-existência e desafiar a quem afirmou a sua existência para que prove as suas afirmações, ou então para ser condenado, por cumplicidade, de todos os delitos que, em nome dessa figura imaginária, foram cometidos.

Marghera, 19 de outubro de 2018

 

 

A tradução foi publicada 01.10.2021

Aqui você pode encontrar a versão original em italiano

 

 

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